quarta-feira, 28 de abril de 2010

Ainda sobre o Amor: das táticas para esquecer

Tenho observado que comumente se adotam três táticas para esquecer um ex-amor.
1. Odiá-lo;
2. ridicularizá-lo;
3. arranjar outro;

É claro que a mais eficiente e a melhor de todas é arranjar outro, lembrando o que nos ensina Roland Barthes, "é o amor que o sujeito ama, não o objeto".

Porém, se é a mais eficiente, nem sempre é a mais fácil, não só pela dificuldade natural de se encontrar um parceiro, mas, sobretudo, por causa da torrente de sentimentos negativos que nos imobiliza nesses momentos.

Creio que odiar, fora de toda pregação cristã, é de todas as maneiras a mais dolorosa e prejudicial, pois, no fundo, odiar é se expor ao outro, é cutucar a própria ferida. Mas sendo esse sentimento um tanto quanto primitivo, por vezes, é dificílimo controlá-lo.

Portanto, em minha opinião, ridicularizar é a tática menos nociva. Digo ridicularizar no sentido do lado risível de todos nós, pois, como disse Nietzsche, observado de perto todo indivíduo é ridículo.

Posso listar uma dúzia de atitudes ridículas do meu ex, como por exemplo: ele escondia comida no armário; ele não sabia contar piada, e quando se metia a fazer graça dava pena; ou então, ele era terrivelmente avarento, de forma que a única vez que chorou foi quando o dispensei de pagar o aluguel (chorou de emoção por economizar o seu bom dinheirinho).

Com isso, em vez de odiá-lo, você vai dar boas risadas do seu ex-amorzinho.

P.S. Se você tiver uma opinião diferente, ou queira acrescentar algo, deixe seu comentário.

domingo, 25 de abril de 2010

Debate sobre o amor na perspectiva pós-moderna

A ponte sobre o abismo – Começo pelo Fim

“Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados.”

"Era inevitable: el olor de las almendras amargas le recordaba siempre el destino de los amores contrariados.”

Gabriel García Márquez: O Amor nos Tempos do Cólera.

Eram duas horas da manhã e Justina ainda estava acordada. As ondas do mar rebentavam, a brisa soprava em sua janela. Porém, nada disso lhe importava. Nem mesmo o zumbido de uma mariposa que passeava pelo quarto. Remexia-se na cama numa espécie de frenesi. Seu coração batia contra as paredes de seu tórax como se desejasse rebentá-las, sair de seu cativeiro e escapar. Sua cabeça estava quente e as têmporas pareciam que iam explodir. Naquele momento, ela era um feixe de emoções.
Chorava e batia com uma das mãos no travesseiro e não conseguindo se acalmar, gemia e se lamentava dizendo sempre:

- Ai, como dói. Eu não agüento isso! É horrível!

Não sabia explicar por que, mas precisava falar, gemer, embora não houvesse ninguém para ouvi-la, o que tornava as coisas mais difíceis. Se ao menos tivesse a companhia de um animal, se ao menos pudesse abraçar o seu gato, mas estava sozinha naquele quarto de hotel. Dali a pouco um galo misterioso começaria a cantar e ela não iria conseguia dormir, muito menos parar de chorar.

Se pudesse evitaria o choro, pois, na sua vaidade, lembrava que amanheceria com o rosto marcado por grandes olheiras e com ar cansado. Por um instante, isso lhe provocou o riso, pois viu a si mesma como uma outra pessoa. Que conseguisse num momento doloroso se preocupar com as suas olheiras era engraçado. Mas logo parou de sorrir e continuou a chorar.

- Como pôde fazer isso comigo? Eu não mereço! Que injusto!

Sim, era injusto! Mas quem lhe disse que no relacionamento amoroso existe “justiça”? Ela achava injusto que ele a abandonasse de forma tão indelicada, trocando-a por outra. Opa, quem disse que a delicadeza reina no amor? Oh, Justina, o tempo da delicadeza talvez ainda esteja por ser instaurado ou esteja confinado dentro de um velho livro.

Justina sabia que dali em diante jamais iria ficar com ele, que não mais viajariam juntos, que não iria mais dormir do seu lado, e o que era pior, ele não mais a abraçaria, nem alisaria suas costas quando ela reclamasse do cansaço.

De repente, notou que aquela ponte mágica que se estendera entre eles com muita rapidez estava à beira do abismo. Não se esforçara muito para edificá-la, porém, para mantê-la estava descobrindo que era preciso colocar muitas estacas, cuidar das fundações, das enxurradas e tomar outras providências.

Sim, era verdade! Ele estava com outra. Como se enganara! Pensava que a ponte era firme. Esquecera em que tempos vivia?! Há muito tempo fora anunciado "um tempo em que tudo se desmancha como espuma no ar".

Pego o meu livro de cabeceira, “Ética Pós-Moderna”, procuro extrair dele alguma lição para compreender o meu personagem. Não me refiro a Justina, refiro-me ao amor, o amor na perspectiva pós-moderna.

Mas o que é essa categoria que os filósofos chamam de “pós-moderna”?
Ora, se eu disser que trato do amor nos tempos atuais correrei o risco de escrever algo tão datado, que o leitor do futuro, se porventura, esse texto vingar, ache que me refiro ao amor dos seus dias. Então para definir que troço é esse, me valho novamente do meu livro de cabeceira, que diz:
“A perspectiva pós-moderna significa sobretudo o rasgamento da máscara das ilusões; o reconhecimento de certas pretensões como falsas e de certos objetivos como inatingíveis, e nem por isso mesmo desejáveis."

Para polemizar mais, consulto Giles Lipovetsky em seu Crepúsculo do Dever. O pós-modernos seria a era do pós-dever, em que supostamente teríamos nos libertado de toda constrição, dos deveres infinitos, dos mandamentos e das obrigações.

Trata-se do tempo pós-moderno como o contexto da experiência da superação da ética do dever. As prescrições de ordem familiar, moral, ética, são banidas como constrições à liberdade individual.

Tempo próprio para o meu personagem fazer estripulias à vontade, dar vazão à sua natureza instintiva e desenfreada. Andar feito um cigano, sem rédeas e sem regras, exibindo sua face obscura e egoísta, sem pudor.

Como um gato persa, ele mostra as garras.

Depois daquela decepção, Justina prometeu nunca mais amar, porém, todavia, numa manhã ensolarada, numa tarde dourada ou ao anoitecer, conheceu alguém especial. Renovadas as esperanças, voltou a amar, pois, como afirma Roland Barthes:

"é o amor que o sujeito ama, não o objeto."