(Não sei quando comecei este texto, interrompi-o no trecho que começa a falar de Tchekhov, ponto de onde hoje recomecei, 29/01/2012)
Existe uma crise que, embora, encontremo-nos com ela em nosso cotidiano, não está na mídia. Esta crise é tão concreta quanto está passeando numa estrada tranqüila e, de repente, topar numa pedra. Mas ela muda de aspecto como um camaleão, se camufla como um urutau, por isso é difícil defini-la e mesmo notá-la.
Se a sociedade de massa estimula o individualismo, ela fez com que perdêssemos o sentido da significação individual. A importância que cada um de nós tem perante a sociedade foi diminuindo à medida que se foi difundindo a idéia de que ninguém é insubstituível, e, de fato, percebemos que o mundo continua seu curso, a despeito do desaparecimento trágico de milhares de pessoas em catástrofes naturais ou na guerra, e percebemos que isso acontecerá quando chegar a nossa vez. Provavelmente, só faremos falta para os familiares e os amigos.
Mas essa crise não é de agora e a verdade é que nenhum governo, povo, ou nação resolveu enfrentá-la. Ela virou problema para psicólogos, terapeutas, sociólogos, teólogos e, sobretudo, foi deixada aos cuidados das religiões, seitas, associações, filiações, clubes, etc.
Estava trelendo os contos de Anton Tchekhov (1860-1904), pois os contos de Tchekhov, penso eu, merecem ser relidos muitas vezes, quando me deparei com um desses personagens solitários, carentes de atenção. Solitário, não por sua índole, mas por sua invisibilidade. Com certeza, o solitário pode ser encontrado em vários contos de Tchekhov, mas o que me refiro encontra-se no conto “Angústia”, que tem o subtítulo “A quem confiar minha tristeza”.
Ele é um pobre cocheiro, rodando pelas ruas geladas de São Petersburgo, como um fantasma, completamente coberto de neve. O primeiro passageiro entra, é um militar. O cocheiro anseia por se comunicar, vai logo puxando assunto: “Pois é, meu senhor, assim é... perdi um filho esta semana.” O passageiro chega a perguntar: “De que foi que morreu?” Mas logo que o velho cocheiro se volta para entabular conversa, o militar rosna: “Dá a volta, diabo! Não está mais enxergando, cachorro velho?”
Em seguida, entram três passageiros, um deles é corcunda. Eles cobrem o cocheiro de insultos, regateiam no pagamento. O mais agressivo de todos é o corcunda. Num instante de pausa da tagarelice dos passageiros, o cocheiro balbucia: “ Esta semana... assim... perdi meu filho!” Mas os passageiros reagem dando-lhes muitas pancadas no pescoço.
Nem seria necessário, mas em determinado trecho, o isolamento de Iona, o cocheiro, é descrito: “Os olhos de Iona correm, inquietos e sofredores, pela multidão que se agita de ambos os lados da rua: não haverá, entre esses milhares de pessoas, uma ao menos que possa ouvi-lo? Mas a multidão corre, sem reparar nele, nem na sua angústia...”
Iona precisa falar da morte do filho, precisa contar como padeceu, como sofreu. E “o ouvinte deve soltar exclamações, suspirar, lamentar...”
Na falta desse ouvinte, o velho cocheiro termina contando sua triste história para o cavalo.
domingo, 29 de janeiro de 2012
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