Diário de Viagem
Mi Buenos Aires Querido
Passageiras Clandestinas
Pelotas, Rio Grande do Sul, 06 de junho de 2007
Começamos bem...
Chegamos no ônibus atrasadas. Sentamos em nossas poltronas mais sorridentes do que quando passamos no vestibular. Ainda bem que não haviam nos deixado!
Não tínhamos terminado de comemorar, quando ouvimos a guia anunciar pelo microfone: Tenham suas carteirinhas de identidade em mãos, por favor. Vou passar para recolhê-las agora. Ah, lembro que não serve carteira de motorista!
Eu me virei para minha amiga, que se chama Jô, e confidenciei:
– Eu só tenho carteira de motorista!
– Mas como?! Não trouxeste tua identidade? Ah, eles não vão aceitar. Nem o passaporte?
– Claro que não. Não tenho. E agora? O que vamos fazer?
– Não te preocupa. Eu também não trouxe!
A Jô é de fato uma pessoa surpreendente. Depois de quase me dar uma bronca, eu descubro que a danada está na mesma situação.
A guia era uma mulher alta, robusta, daquele tipo que só de olhar mete medo. Ainda bem que ela se virou primeiro para a Jô, que estava na cadeira do corredor. Com ar de inspetora geral, ela, cutucando a poltrona, disse:
– Vamos, amigas, a carteirinha de identidade!
Enquanto conversávamos com a guia, houve uma confusão. Uma outra passageira informou que tinha esquecido a sua carteira, que precisava pegar um táxi e voltar em casa, que isso levaria cerca de quinze minutos. Os demais passageiros começaram a protestar.
– Bem, amigas, ou vocês descem do ônibus ou viajam como clandestinas. – Informou-nos a guia.
– Clandestinas. – Dissemos em coro.
– Sim, mas se um fiscal da aduana entrar, vocês fiquem caladinhas trancadas no banheiro.
Descer, jamais. Depois de gastar minhas economias com a passagem e a vontade louca que eu estava de conhecer Buenos Aires, eu viajaria até trancada no banheiro. Só não dava para ficar lá junto com a Jô. A minha amiga, com toda sua camada de gordura, não caberia lá dentro sozinha, imagine junto comigo!
De repente nos sentimos duas figuras importantes. Éramos clandestinas! O problema é que não podíamos sofrer nenhum acidente, nem nos meter em confusão. Nem morrer podíamos! Íamos causar um transtorno para a empresa, quiçá um incidente diplomático! Tínhamos que ter muito cuidado, assim nos alertou a guia.
– Nós temos sorte, não se preocupe!
Tratei de asseverar à guia, que me pareceu uma figura bastante crédula. Parece que ela acreditou, inclusive os céus e os deuses.
É, parece que estávamos com sorte mesmo! Nossos assentos ficavam em frente ao frigobar, o que nos dava o privilégio, ou não, de ver o desfile dos passageiros a toda hora , e de nos servirmos à vontade. E, em caso de necessidade, era só descer a escada, que estávamos no banheiro.
Fui logo tomar uma água. Depois de me tornar clandestina, tinha que tomar uma água para refrescar o corpo, que apesar do frio, estava quente. Mas a água, de mineral só possuía o rótulo. Estava com cheiro de carne envelhecida.
– Aposto que esta água é da torneira. E o que pior, foi refrigerada num congelador junto com carne velha, com a garrafa destampada...
Eu estava dizendo isso quando a guia apareceu com seu passo manso e me olhou meio atravessado. Fechei a boca e engoli a água com cara de satisfeita. Vai que ela resolve me colocar para fora do ônibus sob o pretexto de que eu estava sem documentos. Adios mi Buenos Aires querido!
Descobrimos que não estávamos sós. Havia uma terceira passageira clandestina, que veio nos confessar que também não tinha identidade. Aliás, essa terceira clandestina mentia muito bem. Era a passageira que disse que precisava tomar um táxi e que deu causa à primeira confusão do ônibus. Ela havia descidoe, depois de alguns instantes, retornou eufórica e informou a todos:
– Achei, achei! Estava na minha bolsa. Ainda bem que encontrei!
Mas ela era muito camarada. Depois, veio puxar assunto, dizendo que estava cansada de ouvir as passageiras do seu lado que só contavam tragédia! Procuramos uma história engraçada para contar e por falta de uma, mostramos-lhe o trecho do Diário de Viagem de Che Guevara, em que contava como ele e Alberto Granado viajaram clandestinos num barco e, o que era pior, trancados com suas mochilas num banheiro. Um banheiro que, diga-se, fedia como um inferno.
Essa passagem do Diário de Viagem de Che era, na minha opinião, muito engraçada, além de comovente. Os dois tiveram que passar meia dúzia de horas se revezando para dizer: “Tem gente” ou “Está ocupado” a cada vez que alguém batia na porta do sanitário. Parece que não agradou muito a nossa companheira, pois ela logo voltou para ouvir as tragédias de suas vizinhas.
O ônibus fez uma parada no Arroio Grande. Nesse momento, finalmente a nossa ilustre guia conseguiu fazer o DVD funcionar. Felizmente não dava para sintonizar no jogo do Grêmio contra o Santos! Para consolar o passageiro frustrado com isso, eu afirmei com a categoria de um profeta:
– O Grêmio vai ganhar! Sempre que eu digo vai ganhar, ele ganha!
Mas o homem ligou o seu rádio de pilha, o que me incomodou um bocado. Então eu refiz mentalmente a minha aposta e torci para que o Santos vencesse. Não deu outra!
Bem, eu desmaiei e dormi. Acordei pelos chamados da Jô:
– Estamos chegando. Olha, Buenos Aires!
Eu olhei pela janela, mas, com a vista meio embaçada, eu só vi neblina e a luz mortiça dos postes. Admirei que minha amiga estivesse acordada, ela que costuma dormir como os gatos.
– Jô, tu não dormiste?
– Não. Não posso dormir.
– Por quê?
– Porque se eu dormir todo mundo acorda com meu ronco!
– É mesmo! Eu havia me esquecido desse detalhe. E pensar que vou dividir o quarto contigo! Estou feita...
Isso tudo aconteceu antes que puséssemos nossos clandestinos pezinhos no solo de Buenos Aires.
segunda-feira, 11 de junho de 2007
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2 comentários:
Eu sei lá se você ainda está em B.A. mas se estiver, espero que esteja aproveitando tudo que tem direito!
Oliver
Hola chiquita,
no pude despedirme de vos, pero me encantó conocerla.
Miles de besos y la cronica me gustó mucho!
Juliana
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