domingo, 14 de outubro de 2007

Sofia no Salão

Ali estava pela primeira vez, num "salão de beleza". Suponho que ela já estivera muitas vezes em outros salões. Mas naquele ali, sua expressão, entre angustiada e séria, o denunciava. Parecia o seu cãozinho na mesa do veterinário. Mas o seu cãozinho tinha a vantagem de tê-la por perto, segurando o seu pescoço ou lhe dirigindo um olhar de consolo. Porém, Sofia não tinha ninguém, nem seu cãozinho podia lhe ajudar.
Haviam lhe falado de uma tal de escova progressiva que deixava os cabelos tão lisos quanto os de Naomi Campbell. Aqueles cabelos afros incomodavam-na. Não combinavam com seu rosto, muito menos com sua personalidade. Cabelos rebeldes, escandalosos.
De pronto, notou o aspecto dos cabelos da mulher que ia colocar o milagroso produto nos seus. Eram ásperos, rebeldes e sem brilho e, logo, pensou: "É impossível que ela saiba de uma fórmula milagrosa e não aplique em seu cabelo".
Mas, antes que ela tivesse tempo de desistir, a mulher ensopou os seus cabelos com o dito produto, que cheirava forte e que, devido à alta dose de formol, trazia a horrível lembrança de cadáveres. Estava cansada e com vontade de fazer xixi. Suando nas mãos, perguntou:
- Onde fica o toalete?
- Só no shopping.
Respondeu-lhe uma moça de cabelos naturalmente lisos, o rosto moreno e o sorriso perfeito. Desejou por um instante ser aquela moça, no entanto, pensou que havia de ser manicure, pensar o que ela pensava e ter o trabalho de se defender contra o assédio masculino por causa de seu enorme bumbum. Não, preferia ser Sofia e viver com aqueles cabelos afros o resto da vida como um erro genético, pois seu pai e sua mãe tinham cabelos lisos. Era por isso que seus irmãos diziam: "Você não é nossa irmã. Nossa mãe lhe adotou. Ninguém em nossa família tem uns cabelos feios como o seu."
A bexiga apertada deu-lhe outro aviso. Sob aquela pressão o passado desapareceu. Sentia prolongar-se cada segundo como longos minutos. Porém, como havia de descer ao shopping com o cabelo embebido no formol, atravessar a praça da alimentação e chegar ao banheiro? Não passaria ilesa. No mínimo, um daqueles seguranças enormes, que devem ser escolhidos exatamente pela altura, a impediria de seguir adiante, chamaria um bombeiro e a internariam como louca.
A mulher que lhe embebera o cabelo parecia fazer pouco caso. Saiu do salão e foi fumar. Ficou batendo papo com um homenzinho. Depois adentrou, mas se meteu num canto, onde Sofia não podia vê-la.
Maldisse os seus antepassados, seus irmãos, seu pai, sua mãe, sua avó, porque tinham cabelos lisos. Eles tinham culpa de ela estar ali. Porém, a acidez na cabeça e a vontade de fazer xixi não lhe deixavam concentrar-se em nada.
Fechou os olhos e imaginou-se vendo seu rosto envolto por uma cabeleira lisa, loura, como a de sua mãe. Lembrou-se do seu cão assustado na mesa do veterinário e voltou a sentir medo. A mulher começara a escovar seus cabelos. O cheiro forte do formol penetrou em seus olhos e em suas narinas. Ardeu. Protegeu-se com seu casaco. Suportou. Porém, a mulher não parava de reclamar:
- Como tem cabelo! Teu cabelo não seca! Quanto foi mesmo o preço que te disse?
- Noventa reais.
E sorria, avisando que ia cobrar mais caro.
- Eu me enganei com teu cabelo. Que maçaroca!
A indelicadeza da mulher era insuportável, porém estava nas mãos dela. A vontade de fazer xixi estava sendo benéfica, pois já não lhe importavam seus cabelos. Queria aliviar-se e pronto.
Sofia já havia se convertido apenas numa bexiga, quando a mulher botou-a frente ao espelho. Não teve certeza do que viu, mas afirmou que estava ótimo.
- É cento e vinte reais. - Disse a mulher inclinando a mão para receber o dinheiro.

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