Daboberto era o típico homem seguro, daqueles que economiza até palito de fósforo, dividindo-o ao meio. Era tão avarento que não gostava de gastar nem saliva. Era calado, quieto, modorrento. No trabalho dava o expediente com ar sério, por trás de seus óculos de aros escuros. Parava pra fazer uma gracinha no final do dia com objetivo de distrair os colegas e comer as sobras do lanche que os outros traziam.
- Pessoal, vocês sabem que não pode deixar resto de comida, né. Junta barata. Então, fazendo o favor, vou comer esse restinho.
Os outros se entreolhavam, tinham vontade de rir, mas não diziam nada. Todos os dias, Daboberto arranjava uma desculpa pra papar o resto da comida. Assim economizava a janta.
Como era de esperar, gostava de levar vantagem em tudo. Ter prejuízo, então, o deixava ensandecido. Pois, outro dia, ele recebeu o troco.
Daboberto perdeu a chave do seu quarto que, de costume, ficava trancado. Sem a porta aberta não havia banho, nem cama, nem tevê, nem roupa pra trocar.
Lembrou-se que havia feito um seguro residencial por um preço camarada. Ligou pra seguradora e pediu um chaveiro. A moça do seguro perguntou-lhe se era a porta da frente ou a dos fundos. Fingindo que não entendia o porquê respondeu que era a dos fundos.
Mas a moça quis saber mais. Perguntou todos os dados, desde o CPF ao nome da mãe. E, nessa brincadeira, lá se foi meia hora. Ele já estava ficando exausto, quando a moça lhe assegurou:
- Senhor, o serviço de chaveiro estará chegando em sua residência dentro de quinze minutinhos.
Passaram-se quinze minutos, meia hora e nada de chaveiro. Vendo que o relógio já marcava onze horas, resolveu ligar pra seguradora novamente.
- Senhor, espere mais quinze minutinhos.
- Minha senhora, já esperei meia hora, não tô pra brincadeira não.
- O senhor está sendo gravado. - Alertou do outro lado da linha.
- E eu tô me importando. Vocês é que tão me roubando. Tão roubando meu tempo.
De quinze em quinze minutinhos o tempo passou e o chaveiro chegou à meia noite. Daboberto estava fora de si. Toda a sua placidez havia se evolado. Seu cenho estava mais trancado do que a porta, suas sobrancelhas mais arqueadas do que olho de gato assustado, seu gogó mais estufado do que saco de batata, seus olhos mais esbugalhados do que olhos de coruja. Ele estava babando de raiva feito um pitbull.
- Boa noite! - Cumprimentou o chaveiro.
- Que boa noite o quê, seu malandro! - Daboberto devolveu. - Passa duas horas pra vir fazer seu serviço e ainda chega com essa cara limpa.
- Acontece que eu tinha outros chamados. Mas qual é a porta?
- É a porta do meu quarto. Não vê?
- Esse serviço o seguro não cobre.
- Como é que é?!
- Só abrimos porta de entrada ou porta dos fundos. O senhor pode pegar a apólice e confirmar.
- Onde é que tá escrito? Como posso comprovar se tá dentro do quarto? O trabalho não é o mesmo? Quer dizer que a porta do meu quarto é mais difícil de abrir? Pois vou cancelar este maldito seguro agora!
- Faça o que bem entender. - Disse o moço do serviço de chaves fazendo pouco caso.
Daboberto ficou mais meia hora ligando pra seguradora, enquanto isso o chaveiro se mandou. Já era uma hora da manhã, quando ele tomou a decisão. Deu um chute na porta arrebentando com tudo. O que mais lhe doeu não foi ter rachado o pé. Foi o cômputo do prejuízo!
sexta-feira, 7 de setembro de 2007
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Um comentário:
Homem seguro, ou homem-seguro?
Antonieta de Brito Galvão
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