domingo, 30 de setembro de 2007

O Macaco, a Onça e a Cobra, num desafio de morte

3ª aula - 25/09/07
Oficina literária
Coordenador: Oswaldo Pullen
Participante: Rai de Oliveira
Exercício:
Escrever um conto tendo como personagem o macaco, a onça e a cobra, com enfoque no humor. A Moral da História deve ser:
"Mais vale um macaco na mão do que uma onça voando."

Piatã estava deitado de papo pro ar em cima do ingazeiro saboreando as frutinhas. Abria as vagens com calma e ia chupando os bagos com vagar e paciência, envolto pelo canto dos pássaros. Mas um grunhido estranho veio subitamente perturbar o seu sossego. Levantou-se meio assustado e ficou espiando em redor. Enxergou à distância um bando de animais esquisitos, que andavam sobre as duas pernas.
Observando mais de perto a fisionomia dos tipos, notou que havia entre eles uma estranha semelhança. Surpreso com tal novidade, foi dar a notícia ao chefe em primeira mão. Pulou no tronco da seringueira, onde morava o mestre, que estava justamente tirando uma soneca:
- Mestre Cajuru, acorde! - Disse em tom respeitoso cutucando com jeito o ombro do chefe. Cajuru despertou naturalmente mau humorado e, abrindo um bocão, resmungou:
- Você interrompeu meu sonho bem na hora em que ia me deitar com uma linda gorila. O que você quer comigo, matreiro?
- O senhor já tinha visto aqueles nossos parentes? Acolá, perto dos pés de sumaúma. - Disse Piatã, apontando em direção aos intrusos.
- Caminham de cabeça erguida. Parece que não sabem andar de quatro. Repare que estranho. Olhe o queixo e o nariz! E a boca? Tem um naco de borda. Quase todos têm a cara pelada! Além do mais não têm rabo. Como alcançam as árvores?
- Cale essa boca! Ouça, aquilo não é macaco. Aquilo é homem! - Disse o mestre sussurrando.
- Homem?!
Indagou Piatã com muito espanto. Pelo que ouvira falar, esperava que os homens fossem gigantes, fortes, com pêlo na cara, cauda grande, costas largas, mãos enormes, a juba espessa como a de um leão, enfim, pensava que fossem as criaturas mais belas do mundo.
- Eles são muito valentes. Tome cuidado! Escute o que estou lhe dizendo. Continuou o mestre falando em tom de advertência.
- Mas são mirrados, chochos!
- Fique de boca fechada. Espie naquele troço que levam na mão. Aquilo solta fogo.
Alertou-lhe o chefe. Piatã não lhe deu ouvidos. Custava acreditar naquele macaco velho.
- Mestre Cajuru tá ruim da cabeça.
Concluiu, afastando-se de um salto para outra árvore, onde podia observar melhor a fisionomia dos homens.
- Fogo só nasce da terra ou do céu. - Continuou o macaco falando para si. - Ah, mas eu queria fazer fogo pra queimar o bafo quente da onça pintada.
Naquele instante, Piatã viu o brilho dos olhos da onça cortando a floresta. A fera parou bem debaixo da árvore onde ele acampara. Mais quieto do que um coelho acuado na toca, ocultou-se detrás de um galho com um olho na fera e outro nos homens.
A onça cumprimentou-o com um bom dia, o que era estranho, pois era de seu costume insultá-lo com um alto rosnado.
- Sujeito medroso, desce daí e vem repetir o que disse aí em cima. - A onça desafiou-o quase num cochicho.
- Não. Estou vendo os homens vindo ali. Ouvi dizer que vieram buscar a senhora. Aí eu tava dizendo: tomara que eles não achem a dona onça. Coitada! Ela tá grávida e esse monte de bichos chamados homens no encalço dela.
- Macaco-barrigudo, deixe de ser pentelho. Que fofoca é esta? Não estou grávida! Sempre se importando com a vida alheia. Pois, pelo que sei, eles vieram atrás de você, que é bicho bonito e inteligente!
- Eu?! Isso é verdade. Sou muito bonito mesmo. Mas a senhora é gostosa, gostosa pra leão! Eles querem carne, gordura, filé, dona onça. A senhora é só o filé. Essa sua trouxa de carne é uma tentação!
- Olha, o senhor me ofende. Sou muito delgada para os padrões daqui. Estou em forma, viu! Mas vamos parar de confusão. Vamos fazer uma aliança. - Propôs a onça mudando de tom.
- Espere um pouquinho. A Cobra estar vindo ali. Vamos pedir-lhe a opinião. - Ô dona cobra! - O macaco chamou baixinho.
A Cobra , vigiando em todas as direções, rastejou até o local do chamado.
- O que quer comigo, macaco abusado? Quer que eu te ataque agora? Meu instinto está programado para te atacar à noite.
Sem dar importância à ameaça, o macaco perguntou:
- Você sabia que existe um bicho chamado homem?
- Não!
Respondeu a cobra com fingimento.
- São aqueles que vão acolá. - Disse o macaco apontado em direção ao bando. -Vieram pegar a dona onça. Por isso, ela veio aqui me implorar ajuda. Vê se pode?! Logo ela que vive querendo me pegar.
- Vim propor uma aliança com esse tolo.
- Aliança?! - Admirou-se a cobra. - Nunca ouvi falar em aliança. No meu grupo não há aliança. Seja lá o que for, acho que não tem graça. Por que não fazemos uma aposta? - Propôs a cobra.
- Uma aposta?! - Perguntaram o macaco e a onça em uníssono.
- É como um jogo.
- Um jogo?!
- Sim, primeiro jogamos a sorte. Eu pego três gravetos, um verde, um cinza e um marrom. O preto é o meu , o verde é o do senhor, o marrom é o da senhora. O primeiro que sair é aquele que vai fazer uma estripulia para espantar esse bicho feio. Provavelmente serei a primeira sorteada, se os senhores forem de sorte. Se for o senhor macaco... - A cobra fez uma pausa para se rir do macaco. - Bem, se for o senhor, se vire. Não sei o que um macaco pode fazer pra assustar um animal valente!
A onça e a cobra riram baixinho.
- Ah, é?! - Exclamou o macaco. - E o que ganho com isso?
- Ganha o direito de viver livre. Nunca mais lhe faço tocaia.
Asseverou a onça em tom muito solene.
- Nem eu. - Prometeu a cobra.
- Sei não. Quando a esmola é grande o santo desconfia. - O macaco concluiu.
A cobra fez o sorteio. O resultado veio nessa ordem: macaco, onça e cobra. Evidentemente. A cobra havia manipulado o jogo, o macaco não percebeu; a onça notou, mas tinha um plano.
O macaco desceu da árvore para cumprir o seu destino tremendo mais do que vara verde. Observou que os homens vinham em fila abrindo uma clareira na mata como se tivessem um destino certo. De repente, ouviu-se um estrondo. Começou um tiroteio e bicho caindo aos montes. Piatã estava atarantado. A cobra e a onça berravam chamando-o de covarde.
Os tiros cessaram, mas os homens continuavam se aproximando. Piatã, sem se aperceber, estava quase escorado na onça, esfregando sua cabeça oca no bigode dela. Aquele cheiro forte do macaco deixava a onça enlouquecida.
Enquanto Piatã coçava a cabeça pensando em pregar uma peça no bicho homem, a onça atacou-o e engoliu-o de uma vez .
A cobra, fingindo espanto, reclamou:
- Que ato vil! Comeu o macaco pelas costas! Que covardia!
A onça lambendo os beiços de prazer, respondeu:
- Não foi porque quis. Pobre macaco!
A cobra, por sua vez, engoliu a onça.
- Não foi porque quis, senhora onça. Obrigada por ter pego o macaco!
Exclamou a cobra lambendo os beiços, ao mesmo tempo em que tentava bater em retirada. Pesadíssima como estava, não agüentou ir muito longe. O homem avistou a cobra e meteu fogo. Acertou bem no olho da fera. A cobra lutou, jogou o bote, mas estava muito pesada, com a onça e o macaco por dentro. O homem era um bicho realmente feroz. Mais fogo! Dessa vez acertaram bem na cabeça.
Partiram a cobra ao meio. A onça deu de cara com o bicho homem e, naquele aperreio, vomitou o macaco. Este, por sua vez, saltou com rapidez incrível e escapou para o alto de uma árvore. A onça fugiu em disparada. Mas, antes que tivesse tempo de escapar, um tiro atravessou-lhe o couro. Ela voou pelas alturas feito um macaco. Por sorte ou azar, quando ia passando rente ao galho onde estava seu ex-aliado, ele, muito ágil e gentil, segurou-a pela mão.
- Dona Onça, chegou a sua vez de me pagar a traição!
Foi aí que a onça tremeu.
Mestre Cajuru que assistia a tudo escondido no oco de uma árvore, filosofou:
- Eu, que sou macaco velho, não meto mão em cumbuca.

Moral da História: Mais vale um macaco na mão do que uma onça voando.

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