Oficina Literária
Coordenador: Oswaldo Pullen
Participante: Rai de Oliveira
Brasília-DF 16/10/07
Proposta de texto: Fazer uma descrição de algum lugar marcante de sua infância, (a rua, a praça, enfim, um lugar)
A casa ficava em cima de um morro. Detrás, ao longe, havia montanhas altas e verdejantes. Mais além, ninguém conseguia enxergar.
Descendo o morro, por um caminho escarpado, chegava-se à grota. Era lajeada de pedras, cheia de cacimbas, musgo e olhos d’água. Ali os animais vinham em fileira matar a sua sede ao fim da tarde. Nas margens úmidas, cresciam oiticicas e imburanas, ingazeiros e gravatás e até um cajueiro-anão, que dava cajuzinhos com a castanha do tamanho de um botão.
Tinha alpendre com peitoril, construído ao comprimento da frente. Era feita de adobe, fabricado ali mesmo com o barro molhado da vazante da grota. Possuía duas salas e três quartos. O terceiro deles era destinado ao paiol, um celeiro rústico, onde se guardava feijão, milho, arroz, farinha de mandioca e os cortais de rapadura.
A cozinha era comprida, porém estava sempre imprensada por um feixe de lenha, um pilão e o fogão de cinco bocas. E ali se via as tiras de carne seca, de tripas e de toucinho estendidas numa corda acima do fogo, que era para conservar.
Em frente à casa havia um flamboyant vermelho, que nunca se tornou frondoso porque o terreno era demasiado pedregoso e impedia as raízes da planta de fazer seu percurso em direção às profundezas da terra.
O destino de toda árvore que se plantou ao redor da casa foi ter o aspecto de criança mal alimentada. O pé de caju nunca passou de um moleque sertanejo esfomeado. Deu caju uma vez. Apenas três frutos. Era tão franzino que com essa frutificação quase definhou. Mas florescia todos os anos que era uma beleza, prometendo muitos frutos.
Era generoso em perfume. Em certa época do ano, ao anoitecer, o cajueiro abastecia a casa com tal volume de perfume como se quisesse sobrepor-se ao peso da noite, que nos inquietava com seu bafo quente e sua escuridão indevassável.
E na hora mais sombria e mais silenciosa da noite, quando as vacas e as cabras se recolhiam e o galo ainda murchava os olhos, escutava-se o canto triste do urutau, o pio da coruja e o coaxar dos sapos.
O brejo, uma porção de terra alagada que havia perto da grota, era habitado por variada espécie de sapos. Um deles teimava em passar a noite coaxando imitando um bezerro. “Moooooom”. Outro insistia em cumprimentar-nos repetindo a noite inteira: “oi, oi, oi”. Mas aquele brejo dava muitas bananas. Bananas da casca grossa, substanciosas e doces.
Parece-me que aquela fazenda velha, chamada Tamanduá, e como era mais conhecida “Casa do Tamanduá” conseguiu, sem que fosse buscado, um nome muito apropriado. Era como a casa de um tamanduá. Isolada do resto do mundo, perdida no meio do mato, com poucos caminhos, algumas picadas, sem ninguém morando por perto, mas segura e cheia de mistérios.
Se acaso deseja conhecer um lugar onde ninguém possa lhe importunar, procure o Tamanduá. Terá leite de cabra no café da manhã, sombra de oiticica, água fresca da fonte, banana por refeição e, com sorte, um cajuzinho de sobremesa. E, quem sabe, algum fantasma por companhia. E muitas cabras!
Mas, aviso: as montanhas diminuíram de tamanho e não são tão verdejantes como as de minha memória.
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
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2 comentários:
Muito bom! Descrição rica, suave e evocativa. Muito bom mesmo!
Kolim Malak, Phd.
Nossa! A descrição é muito mais que poética, é uma fotografia quase que real desse lugar acolhido da solidão! E o tempo não levou os sentidos, as cores e os cheiros que ficaram incrustados na memória, e tua alma sensível resgata este lugar cheio da pureza e da escassez de fertilidade!E assim, tu me presenteias com a tua escrita me transmutando para lá, o Tamanduá da minha existência!
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