– Agostinho, Liliana morreu.
Foi na manhã do dia vinte e dois de junho de mil novecentos e oitenta e seis. Era um domingo, lembrava-se. O segundo dia do inverno. Ainda estava na cama quando ouviu o telefone tocar. Sua esposa fora atendê-lo e voltara com aquela notícia.
– O quê? Que Liliana?!
– A sua Liliana!
Disse-lhe a esposa com certa rispidez.
Agostinho se levantou atordoado. Acordando, finalmente, calçou os sapatos e meteu-se na sua roupa. Enquanto isso, as palavras iam penetrando em seu ouvido, em seus olhos, em seu coração, fazendo um furo no seu peito.
– Repete, por favor. A Liliana...
– Lamento, Agostinho!
Disse Sílvia e, num gesto de carinho, apoiou o esposo, amarrando o cadarço dos seus sapatos.
– Mas ela não estava doente! Foi algum acidente?
– Não sei dos detalhes.
– E você não perguntou?
– Não. Eu não tive coragem.
– Por que não perguntou? Talvez nem seja a Liliana mesmo. Sei lá. Pode ser um trote. Ela estava tão bem. Não acredito!
Há mais de vinte anos, ele ouvira aquela notícia, mas a frase estava tão fresca na sua memória que parecia que a havia escutado ontem. Porém, naquela manhã, ele ouviu a sua esposa dizer: "Agostinho, Liliana voltou."
Ele despertou tomado por uma louca alegria.
– Liliana voltou, Sílvia? Eu sabia que ela estava viva!
Mas logo se deu conta de que havia sonhado e que sua esposa dormia profundamente.
Vestiu o seu sobretudo. Era inverno novamente. Calçou os sapatos e prendeu os seu próprios cadarços. Pegou a sua maleta com muito vagar para não acordar Sílvia. Guardou ali o retrato de sua mãe e o seu de quando menino, preencheu o restante do espaço com livros. Não pegou mais nada.
Olhou para a mulher estendida na cama. Pareceu-lhe uma estranha. Admirou-se de que nunca tivesse notado o aspecto dela. Observou-a com espanto. Aquela mulher não correspondia à imagem daquela que ele tinha na mente. Era estranho. Sem entender por que vivera com aquela estranha por tanto tempo, ele se foi.
Onde estava Liliana? Era um mistério! O que sabia era que uma parte dela sempre vivera dentro de si.
– Enterre essa morta, pelo amor de Deus!
Quantas vezes Sívia lhe pedira isso? Ele se recusava. Seria mais fácil enterrrar a esposa.
Quando ele sumia de casa, todos já sabiam: ele estava com a "defunta".
Agostinho ficava horas diante do sepulcro, que possuía uma escultura de Liliana com seu cão e os dizeres: Liliana Crocci e seu fiel amigo Babu. Não havia nenhum epitáfio, apenas uma estrela com a data de três de março de mil, novecentos e sessenta, e uma cruz com a data da morte.
Na opinião dele, ali devia estar escrito: "Não sinta inveja do meu cão!"
Ele se recordava da sensação que experimentou quando conheceu Liliana e que havia escrito:
"Hoje conheci a mulher em quem deveria ter dado o primeiro beijo."
Mas ele já estava casado e com um filho pequeno. Era um bebê tão frágil e tão meigo. Tão dependente de seu amor. Optara por seu filho. Porém, fazia uma semana que aquele bebê havia se casado com uma moça incrivelmente parecida com Liliana.
Aquela semelhança perturbava-o e fazia com que ele sentisse um ponta de inveja do filho. Ele meditava:
– E pensar que deixei Liliana por causa dele! E se eu tivesse fugido com Liliana?!
Uma única escolha e se muda todo o rumo da existência!
Agostinho saiu de casa naquele dia prometendo a si mesmo que voltaria quando descobrisse a causa do enigmático desaparecimento de Liliana. Até hoje não voltou.
terça-feira, 3 de julho de 2007
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