Elisa estava hospedada na antiga Fazenda Sacopenapan. Como quase todos os hóspedes, ignorava que ali havia sido uma fazenda e que os tupis designavam-na como "o barulho e o bater dos socós". Se pudesse sentir os odores de mais de três séculos, sentiria cheiro de estrume, de capim e de leite fresco. Escutaria o ronco do Atlântico, soberbo, imenso e o canto dos socós. Porém, o que ouvia era o barulho dos automóveis, o ruído das roldanas do elevador, o ranger do metrô freando na estação Cantagalo. Se quisesse ouvir o estrondo da maré teria que andar por suas franjas e apurar bem os ouvidos.
Ia andando em direção à Lagoa Rodrigo de Freitas, hipnotizada por uma estrela, que apontava naquela direção, quando se encontrou com o poeta. Estava sentado com as costas para o litoral rabiscando um caderno. Sem pedir permissão, sentou-se ao lado dele.
Depois de alguns instantes de suspense, o poeta levantou a vista e sorriu timidamente admirando aquela moça que ousara sentar ao seu lado e, ainda por cima, olhar indiscretamente em direção às páginas de seu caderno. Ela agiu com naturalidade, sorrindo ao mesmo tempo em que sacudia uma perna e olhava com o canto do olho para ele, fingindo que admirava a estrela.
Uma menina, que não estava na história, viu Elisa sentada ao lado daquele senhor e, não se agüentando de curiosidade, perguntou:
– Ei. Ele é seu namorado?!
– É.
– E faz tempo?
– Muito tempo.
– Deve ser muito rico!
A menina concluiu e se foi.
O poeta continuou em silêncio, mas Elisa percebeu um indiscreto rubor em suas faces. Ele era tão tímido. Parecia um menino. Melhor seria ir embora sem dizer palavra! Mas sair de perto dele não era fácil. Sua presença suscitava a velha Sacopenapan com seus casarões e seus imponentes jardins; fazia a maré subir e cantar uma canção límpida, a brisa correr solta e subir pelas montanhas.
Elisa pôde sentir por um instante os secretos odores guardados há séculos pela atmosfera e, num devaneio, abraçou o poeta. Ele deixou-se abraçar.
– Você não tem vergonha de namorar esse velho?!
Era a mesma menina que surgira de repente como se estivesse esperando aquele momento para entrar em cena.
Elisa levantou-se, arrumou os cabelos. Um fio escapou e caiu sobre a página que o poeta estava escrevendo. Ele acariciou-o entre os dedos, enquanto observava a sua companhia se afastar. Felizmente, ela não viu essa manifestação de carinho do poeta, senão teria ficado com ele para sempre.
Não demorou muito tempo, o poeta morreu. Fizeram a sua escultura. Colocaram-no sentado, voltado para a terra, com um caderno na mão, no mesmo lugar e na mesma posição em que estava naquele dia, mas esqueceram de esculpir a companhia que o poeta repentinamente amou.
domingo, 29 de julho de 2007
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