Boris era um gato da mais alta estirpe. Nascera na mesma rua onde nasceu o grande poeta Alejandro González da Silva, que teve a sorte de ser lido apenas pela caridade de alguns amigos e de algumas pessoas da família. Ali também nascera outra ilustre, Estela Vignolle, que era juíza, e que, por acaso, veio a ser a dona de Boris e pôs nele esse nome pomposo. Dizem que ali habitara um assassino, que nasceu em outro lugar e que matou o rapaz mais bonito da rua, para a infelicidade de Estela.
Foi no dia daquela tragédia que Estela encontrou Bóris passeando sozinho. Chamaram-lhe a atenção a sua pelagem amarela, laranja-escuro, recoberta com linhas tigradas, o seu caminhado alegre e o seu olhar simpático. Ainda era um gatito.
Quando ela o pegou no colo, ele fez um miadinho como se dissesse:
- Cuidado, seja mais delicada!
Depois de um instante, já estava ronronando tranqüilo. (Se existe uma coisa que os gatos sabem é em quem confiar.)
Quando chegou em casa encontrou um rival: um currupião cantor que partiu para cima dele com unhas e bico. O gatinho se encolheu assombrado e se enfiou detrás do sofá.
Depois dessa recepção calorosa, o gato cresceu pensando que aquele bichinho pequeno, colorido, que tinha o dorso amarelo, como ele, deveria ser a figura do que lhe ensinaram ser um cão.
O currupião nunca aceitou a amizade do Boris. Era muito convencido de seus dotes. Sabia cantar, assoviar e imitar os compassos do Hino Nacional, o que deixava seu Francisco, o dono do bichinho, muito orgulhoso.
O currupião escutava de mau humor os sons que o gato produzia e se pudesse falar, ele diria:
- Ô, Boris, cale a boca! Você não vai conseguir cantar nem do jeito de um tiziu que dirá com a minha perfeição!
Parece que o gato ouviu e topou o desafio. Foram meses, anos de treinamento solitário, sem maestro ou partitura. Toda vez que ele estava acordado, sim, pois Boris era um dorminhoco, e o currupião cantava, ele entrava no meio, o que deixava o passarinho muito irritado.
O currupião pulava em cima dele e dava-lhe uma bicada. Mas não adiantava. O gato era persistente e continuava:
- Corrô, corrô, corropião, pião, ão, ãããããããããããããããããããããããã.
Depois mudava de tom:
- fifiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. - Como se assobiasse.
Essas mudanças no comportamento do gato era motivo de diversão na casa, Estela dizia:
- Bóris, daqui a pouco vai nascer um bico na sua boca. Você está ficando bicudo, rapaz. Pare com essas vontades de ser cantor. Vá brincar de caçar mosquito!
Dentro daquele apartamento era a única espécie que ele podia caçar. Às vezes, aparecia uma mariposa, um besouro, e ele se embrenhava em feroz luta como se estivesse brigando com um leão. Porém, era só o currupião começar a cantar que ele se lembrava que ser cantor era muito mais divertido. Para se consolar, pensava:
- Pelo menos não tenho que acordar cedo feito esse maluco. Durmo até a hora que quiser, enquanto ele tem que despertar antes do sol nascer!
Estava cogitando sobre isso quando teve uma idéia. No dia seguinte, ele se levantou no mesmo instante em que o currupião iniciou sua cantoria, posicionou-se ao lado dele e começou a cantar.
Seu Francisco, que madrugava, imaginou que seu passarinho havia atraído uma fêmea. Foi à sacada esfregando as mãos de frio e de alegria. E com pasmo lá encontrou Bóris e o currupião cantando posicionados em direção ao nascente.
domingo, 27 de maio de 2007
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5 comentários:
Vc agora escreve sob encomenda,e bem! vou ler para o Boris quando ele estiver dormindo.
Nossa Bóris é tudo de bom, sempre me espera na porta e quando percebe o barulho da minha sacola, logo corre para seu pratinho de refeições esperando ansiosamente sua "cumidinha" que carinhosamente chamo de "cumidinha de bolinho", bolinho é seu apelido.
E sempre, as oito da manhã, em ponto, sem passar um minuto, ele arranha na porta para poder ir até à sacada e cantar feito um doido...
Bóris, esse gato é uma fera de esperto.
Bjinhos
É o currupião canta muito mesmo.
Duvido que um gato vá cantar como um currupião...
Diz pro Bóris que ele me encheu a paciência e que eu vou passear em Buenos Aires. Quem sabe danço um tango com uma muchacha de cabeços ruivos - Uma portenha com certeza e fatal como ela só...
Oliver Kahn
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