terça-feira, 18 de dezembro de 2007
comentário
O homem do formigueiro na barriga
O pior é que hoje engoli um pão com uma formiga. Tomara que ela não dê cria.
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
O chefe e o capeta
- Agora?!
E quando tu dá boa noite, ele resmunga:
- Já?!
- Não. Não, pois o capeta sabe pra quem aparece.
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
terça-feira, 27 de novembro de 2007
segunda-feira, 26 de novembro de 2007
Curiosidade
- E quantos olhos?
- Trinta mil. E ela ainda enxerga mal.
- Isso é piada?
- Não, isso é verdadeiro.
- Onde tu arranjou esse monte olhos pra uma formiga?
- Quando eu estudava. Vai ver hoje em dia perdeu os olhos.
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Definições de Brasília
"Uma prisão, a céu aberto."
Mas a Leninha não deixou por menos:
"É um cemitério: triste e cheia de flores..."
Te digo, mas penso diferente.
Conversa Fiada
Sebo na canela. Vai trabalhar, neguinho,
Senão o tempo vai fechar.
Conversa fiada matou Zé Jurubeba.
Pois eu ouvi hoje estas pérolas:
Garçom, chamado Santos.
Meu colega me disse outra:
"Duas coisas são praticamente impossíveis: acabar pulga de cachorro e mudar cabeça de velho."
Bravo!
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
Maristella e Priscilla
Ouvi as duas cantando: lá, lá, lá.
- Nossa, a Maristella e a Priscilla estão animadas!
Com a pulga atrás da orelha, fui ver o que elas estavam inventando e as encontrei se divertindo no canteiro.
Aposto que as duas começaram a fazer digressões do tipo:
- Está vendo aquela alface? - Começou a Maristella, que é a mais velha.
- Claro, né. -
- Tu te atreve?
- O quê?!
- Comer um bocadinho.
- Tá doida! Se a patroa pega a gente!
Sim, a danada da Priscilla me olha com cara de quem acha que sou patroa, toda submissa.
- Ah, mas ela nem vai notar. Aquilo é distraída!
- Tenho medo. Se ela descobre, estamos fritas!
- Mas lembra? Ela adora ovo frito. Quem vai dar ovinho pra ela?
Assim, decididas, se passaram pra minha horta. Imagino que elas tinham o propósito de roubar um pouquinho, mas foram se empolgando, gostando, e dizendo: "alface, rúcula, lá, lá, lá, oba, salsa" e destruíram tudo.
O que elas não sabem é que escrevi para minha amiga contando tudo e ela me respondeu:
"E eu que até pensei ontem que as alfaces deviam estar no ponto de se transformarem em uma buliçosa salada... por vingança, quando aí chegar, faço logo um arroz com galinha! Adeus Maristella e Priscilla."
Li no Millor ontem: "se você não pode realizar seus sonhos, pelo menos não realize seus pesadelos..."
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Vinicius caça manga no Distrito Federal
- Vocês se escondendo de mim? Mas vai tudo chupar manga!
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
O Segredo da Latinha de Pó
- Homem suspeito. - Chamou o segurança. A polícia acorreu.
O agente, ao abrir uma latinha de pó que encontrou na revista, declarou:
- Cocaína com café! – Logo desembestou espirrando.
- Explica, matuto?
- Rapé!
- Por que não disse?
- Não perguntou!
terça-feira, 13 de novembro de 2007
O homem que se ferra
- Não, senhor. Todo homem que se ferra tem outro por trás.
O homem que se escondeu no pote
Quando o capitão vistoriou a casa disse para sua mãe:
- Senhora, cuidado com o sapo-cururu dentro desse pote!
O Canário Fujão
- Fugiu e ainda levou minha gaiola!
Série: Contos Curtos - Um Certo Matuto
Quando Vinicius chegou na cidade era tão matuto que hora fixa fugia da repartição com um radinho e papel na mão.
- Rapaz, onde vais assim? - Perguntei um dia.
- Vou no mato.
-Tem banheiro.
- Viche!
- Não é fibra que regula teu intestino?
- Não. É esse radinho aqui.
domingo, 28 de outubro de 2007
Observações mundanas II
- Oh, eu tô vindo do Rio de Janeiro e preciso mudar a minha conta pra receber meu benefício aqui em Brasília.
- Preencha este formulário, por favor.
Pediu a funcionária.
- Preencha você. Levei um tiro na mão.
O homem mandou.
- Não estou autorizada a preencher e, observando a sua assinatura recente no seu protocolo de benefício, vejo que o senhor escreve muito bem.
O homem pegou do papel com preguiça e resmungando entredentes o preencheu. A funcionária perguntou-lhe:
- Qual seu endereço?
- Pra que quer saber meu endereço? Você vai na minha casa?! Minha filha, você não entendeu. Eu vim aqui mudar minha conta, não foi meu endereço.
- Eu preciso para confirmar seus dados. Empreste-me sua identidade.
Nesse ínterim o homem, mudando de tom, começou a falar de si.
- Você sabia que estou aprendendo inglês sozinho? Speak english?
- Não.
- Você sabe que língua Jesus falava?
- Inglês, óbvio.
O homem começou a rir e disse:
- Jesus falava hebraico e aramaico.
- Mas como?! Então ele não era tão inteligente e nem tão moderno assim.
- Pois saiba hebraico e aramaico são duas línguas das mais difíceis e eu quero aprender.
- Não tenho nada com isso.
Disse a funcionária ao mesmo tempo em que devolvia a identidade do sujeito.
- Você sabe quantos anos eu tenho?
- Não.
O homem se virando para o público que costuma freqüentar o INSS começou a gritar:
- Gente, ela não sabe a minha idade! Ela acabou de olhar minha identidade e não sabe a minha idade!
- Sim, moço, isso não interessa. Olhei só o ano de seu nascimento, não fiz as contas de lá pra cá. Mas, olhando pro senhor, deve ter meio século.
- Pois saiba que só tenho 37. Nasci em 1970. Se estamos em 2007, daria pra você bater o olho e ver que de lá pra cá são 37 anos. Se fosse inteligente, né!
- Então, devolva-me sua identidade porque você tem mais idade. Você não é o fulano que quer parecer. Isso é uma fraude!
- Não vou devolver nada, fique com Deus. Quem manda não ser atenta. Fui!
quinta-feira, 25 de outubro de 2007
Observações Mundanas - tostões e carrões
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
o sabiazal
Numa baixada, perto da casa do Tamanduá, ficava o sabiazal. Era um lugar bem sombreado, com o chão coberto por uma cama de folhas secas. Bom para descansar do sol do meio dia, fazer a cesta depois do almoço, se não fosse pelos galhos espinhosos. A árvore puxava os cabelos ou enfiava um espinho no calcanhar de quem se atrevesse entrar lá.
O sabiá é uma árvore muito teimosa. Se o fogo a devora, ela brota novamente. Atende pelo nome científico de Mimosa caesalpiniaefolia Benth. Devido às suas flores. Suponho. Os cientistas, quando conheceram a árvore, colheram uma florzinha e começaram a brincar de fazer cócegas no rosto um do outro na maior folia como costumam brincar as crianças quando encontram um flor de sabiá.
domingo, 21 de outubro de 2007
O sabiazal
Numa baixada, perto da casa do Tamanduá, ficava o sabiazal. Era um lugar bem sombreado, com o chão coberto por uma cama de folhas secas. Bom para descansar do sol do meio dia, fazer a cesta depois do almoço, se não fosse pelos galhos espinhosos. A árvore puxava os cabelos ou enfiava um espinho no calcanhar de quem ousasse entrar lá.
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
A Casa do Tamanduá
Coordenador: Oswaldo Pullen
Participante: Rai de Oliveira
Brasília-DF 16/10/07
Proposta de texto: Fazer uma descrição de algum lugar marcante de sua infância, (a rua, a praça, enfim, um lugar)
A casa ficava em cima de um morro. Detrás, ao longe, havia montanhas altas e verdejantes. Mais além, ninguém conseguia enxergar.
Descendo o morro, por um caminho escarpado, chegava-se à grota. Era lajeada de pedras, cheia de cacimbas, musgo e olhos d’água. Ali os animais vinham em fileira matar a sua sede ao fim da tarde. Nas margens úmidas, cresciam oiticicas e imburanas, ingazeiros e gravatás e até um cajueiro-anão, que dava cajuzinhos com a castanha do tamanho de um botão.
Tinha alpendre com peitoril, construído ao comprimento da frente. Era feita de adobe, fabricado ali mesmo com o barro molhado da vazante da grota. Possuía duas salas e três quartos. O terceiro deles era destinado ao paiol, um celeiro rústico, onde se guardava feijão, milho, arroz, farinha de mandioca e os cortais de rapadura.
A cozinha era comprida, porém estava sempre imprensada por um feixe de lenha, um pilão e o fogão de cinco bocas. E ali se via as tiras de carne seca, de tripas e de toucinho estendidas numa corda acima do fogo, que era para conservar.
Em frente à casa havia um flamboyant vermelho, que nunca se tornou frondoso porque o terreno era demasiado pedregoso e impedia as raízes da planta de fazer seu percurso em direção às profundezas da terra.
O destino de toda árvore que se plantou ao redor da casa foi ter o aspecto de criança mal alimentada. O pé de caju nunca passou de um moleque sertanejo esfomeado. Deu caju uma vez. Apenas três frutos. Era tão franzino que com essa frutificação quase definhou. Mas florescia todos os anos que era uma beleza, prometendo muitos frutos.
Era generoso em perfume. Em certa época do ano, ao anoitecer, o cajueiro abastecia a casa com tal volume de perfume como se quisesse sobrepor-se ao peso da noite, que nos inquietava com seu bafo quente e sua escuridão indevassável.
E na hora mais sombria e mais silenciosa da noite, quando as vacas e as cabras se recolhiam e o galo ainda murchava os olhos, escutava-se o canto triste do urutau, o pio da coruja e o coaxar dos sapos.
O brejo, uma porção de terra alagada que havia perto da grota, era habitado por variada espécie de sapos. Um deles teimava em passar a noite coaxando imitando um bezerro. “Moooooom”. Outro insistia em cumprimentar-nos repetindo a noite inteira: “oi, oi, oi”. Mas aquele brejo dava muitas bananas. Bananas da casca grossa, substanciosas e doces.
Parece-me que aquela fazenda velha, chamada Tamanduá, e como era mais conhecida “Casa do Tamanduá” conseguiu, sem que fosse buscado, um nome muito apropriado. Era como a casa de um tamanduá. Isolada do resto do mundo, perdida no meio do mato, com poucos caminhos, algumas picadas, sem ninguém morando por perto, mas segura e cheia de mistérios.
Se acaso deseja conhecer um lugar onde ninguém possa lhe importunar, procure o Tamanduá. Terá leite de cabra no café da manhã, sombra de oiticica, água fresca da fonte, banana por refeição e, com sorte, um cajuzinho de sobremesa. E, quem sabe, algum fantasma por companhia. E muitas cabras!
Mas, aviso: as montanhas diminuíram de tamanho e não são tão verdejantes como as de minha memória.
domingo, 14 de outubro de 2007
Sofia no Salão
Haviam lhe falado de uma tal de escova progressiva que deixava os cabelos tão lisos quanto os de Naomi Campbell. Aqueles cabelos afros incomodavam-na. Não combinavam com seu rosto, muito menos com sua personalidade. Cabelos rebeldes, escandalosos.
De pronto, notou o aspecto dos cabelos da mulher que ia colocar o milagroso produto nos seus. Eram ásperos, rebeldes e sem brilho e, logo, pensou: "É impossível que ela saiba de uma fórmula milagrosa e não aplique em seu cabelo".
Mas, antes que ela tivesse tempo de desistir, a mulher ensopou os seus cabelos com o dito produto, que cheirava forte e que, devido à alta dose de formol, trazia a horrível lembrança de cadáveres. Estava cansada e com vontade de fazer xixi. Suando nas mãos, perguntou:
- Onde fica o toalete?
- Só no shopping.
Respondeu-lhe uma moça de cabelos naturalmente lisos, o rosto moreno e o sorriso perfeito. Desejou por um instante ser aquela moça, no entanto, pensou que havia de ser manicure, pensar o que ela pensava e ter o trabalho de se defender contra o assédio masculino por causa de seu enorme bumbum. Não, preferia ser Sofia e viver com aqueles cabelos afros o resto da vida como um erro genético, pois seu pai e sua mãe tinham cabelos lisos. Era por isso que seus irmãos diziam: "Você não é nossa irmã. Nossa mãe lhe adotou. Ninguém em nossa família tem uns cabelos feios como o seu."
A bexiga apertada deu-lhe outro aviso. Sob aquela pressão o passado desapareceu. Sentia prolongar-se cada segundo como longos minutos. Porém, como havia de descer ao shopping com o cabelo embebido no formol, atravessar a praça da alimentação e chegar ao banheiro? Não passaria ilesa. No mínimo, um daqueles seguranças enormes, que devem ser escolhidos exatamente pela altura, a impediria de seguir adiante, chamaria um bombeiro e a internariam como louca.
A mulher que lhe embebera o cabelo parecia fazer pouco caso. Saiu do salão e foi fumar. Ficou batendo papo com um homenzinho. Depois adentrou, mas se meteu num canto, onde Sofia não podia vê-la.
Maldisse os seus antepassados, seus irmãos, seu pai, sua mãe, sua avó, porque tinham cabelos lisos. Eles tinham culpa de ela estar ali. Porém, a acidez na cabeça e a vontade de fazer xixi não lhe deixavam concentrar-se em nada.
Fechou os olhos e imaginou-se vendo seu rosto envolto por uma cabeleira lisa, loura, como a de sua mãe. Lembrou-se do seu cão assustado na mesa do veterinário e voltou a sentir medo. A mulher começara a escovar seus cabelos. O cheiro forte do formol penetrou em seus olhos e em suas narinas. Ardeu. Protegeu-se com seu casaco. Suportou. Porém, a mulher não parava de reclamar:
- Como tem cabelo! Teu cabelo não seca! Quanto foi mesmo o preço que te disse?
- Noventa reais.
E sorria, avisando que ia cobrar mais caro.
- Eu me enganei com teu cabelo. Que maçaroca!
A indelicadeza da mulher era insuportável, porém estava nas mãos dela. A vontade de fazer xixi estava sendo benéfica, pois já não lhe importavam seus cabelos. Queria aliviar-se e pronto.
Sofia já havia se convertido apenas numa bexiga, quando a mulher botou-a frente ao espelho. Não teve certeza do que viu, mas afirmou que estava ótimo.
- É cento e vinte reais. - Disse a mulher inclinando a mão para receber o dinheiro.
sábado, 13 de outubro de 2007
Contatos Assíduos
quarta-feira, 3 de outubro de 2007
Golpe do Elevador
No corredor do hotel havia apenas uma luz mortiça, que, misturada a um silêncio sepulcral e ao odor forte de mofo do carpete, criava uma atmosfera pesada. Porém, subitamente, aquele silêncio foi rompido pelo som de passos apressados. Pedro olhou para trás e avistou uma mulher redonda, vestida de negro, tentando se equilibrar sobre um salto plataforma.
– Augusto, é você?!
– Não, senhora.
Pedro respondeu. Virando as costas, seguiu apressado.
– Querido, espere por mim. Espere aí.
Pedro tomou o elevador. No mesmo instante, a mulher chegou ofegante e sorridente à porta.
– Deixe-me entrar!
Indiferente, Pedro apertou o botão: fechar porta.
– Pedro Augusto, pare esse elevador! Pare. Espere. Pedro!
Disse a mulher batendo com histeria na grade do elevador.
Ouvindo os berros da esposa, Pedro disparou a rir. Mas antes que a sensação prazerosa do riso se diluísse por seu corpo, o elevador fez uma parada brusca, rangendo como os trilhos de um trem. Para sua surpresa, entrou uma moça que mais parecia uma boneca. Possuía os seios empinados e redondos como se fossem duas bolas, os olhos azuis cintilantes, os cabelos loiros reluzentes. Diante daquela formosura, Pedro pensou consigo mesmo: “ Meu Deus, não me deixei cair em tentação, mas nunca vi uma mulher mais linda!”
Ela era jovem, perfumada, fresca como uma rosa. Pedro estava hipnotizado. Não conseguia desviar os olhos do belo par de seios, que se elevavam propositalmente a cada respiração, nem do colo bronzeado e macio.
Que se lembrasse, nenhuma mulher bonita olhara para ele alguma vez na vida. Mas a moça encarava-o com estudada malícia. Mordia os lábios vermelhos com sensualidade, exibindo os dentes brilhantes, enquanto piscava os olhos e forçava um dos cantos da boca desenhando uma covinha na bochecha, num sorriso ambíguo.
Pedro sentiu-se encorajado e, num gesto de pura audácia, deu dois passos em direção à moça. Naquele espaço exíguo, dois passos significavam ficar próximo demais. A moça jogou os cabelos para trás e aproximou-se um passo. Claro sinal de consentimento. Pedro não pensou duas vezes. Foi direto bolinar os belos seios, ao que ela reagiu com um curto gemido. As luzes do elevador subitamente se apagaram. Parecia que a providência divina queria ajudá-lo: a máquina havia parado. Era tudo o que desejava naquele momento.
Na escuridão do cubículo, Pedro agarrava a moça, enquanto lhe dizia:
– Gata, nunca pensei que uma gata linda como você me desse bola. É claro que isso se deve à minha baixa auto-estima. Tenho uma mulher que levaria até o Ermírio Moraes à falência, entende? Com aquela mulher, aposto que até um tarado ia falhar. É de levar um garanhão à impotência, entende? Mas isto é outra história. Será que tô sonhando? Queria jogar uma água frio no rosto agora pra saber se não tô sonhando. Isso é um sonho? Só pode ser um sonho! Que sorte danada, te encontrar assim, gatinha! Nunca vi gata tão fácil!
A moça não dizia uma palavra. Limitava-se a soltar uns gemidos altos que mais pareciam o miado de uma gata no cio. Pedro estava cada vez mais audacioso, descia a mão pelo corpo da sua gata tocando-lhe as partes mais íntimas. Naquela bolinação, acariciou-a entre as pernas. Ali encontrou um objeto não identificado.
“Será um absorvente? Um pacote de dinheiro? Ou será uma arma?” Pensou com desconfiança. Apertou o objeto com mais força. Foi então que se deu conta que tocava uma parte exclusiva do corpo masculino. E que potência!
– O que é isso, moça?!
– Moça, eu?!
Exclamou. O timbre grave da voz não negava.
Pedro procurou com desespero os botões do elevador.
– Onde fica o alarme? Onde é o interfone?
– Não sei, tio.
Respondeu com voz manhosa. Pedro começou a se empapar de suor. De repente, sua cabeça virou um turbilhão de pensamentos.
“E se eu morrer aqui? Todos vão rir muito de minha cara! Vão tirar sarro de mim. Não vai ter neguinho que me defenda.”
– Onde fica o alarme? Onde é o interfone?
Repetiu.
– Quanto tempo uma pessoa agüenta respirar num elevador? Você quer morrer aqui, sua traveca? Está rindo da minha cara, é?
Disse, ao notar que ela sorria. A bela, muito gentilmente, parou de sorrir. Apertou um botão e a porta do elevador se abriu de imediato justamente na recepção.
Alguns hóspedes, ao vê-lo com a camisa empapada, coberta de desenhos de boca, caíram na risada. A esposa, que o esperava ali, sem pensar duas vezes, meteu-lhe um violento safanão na cara.
– Vamos pegar um táxi!
Disse-lhe, depois de desferir-lhe o golpe.
Ele apalpou os bolsos com nervosismo procurando a carteira.
domingo, 30 de setembro de 2007
O Macaco, a Onça e a Cobra, num desafio de morte
Oficina literária
Coordenador: Oswaldo Pullen
Participante: Rai de Oliveira
Exercício:
Escrever um conto tendo como personagem o macaco, a onça e a cobra, com enfoque no humor. A Moral da História deve ser:
"Mais vale um macaco na mão do que uma onça voando."
Piatã estava deitado de papo pro ar em cima do ingazeiro saboreando as frutinhas. Abria as vagens com calma e ia chupando os bagos com vagar e paciência, envolto pelo canto dos pássaros. Mas um grunhido estranho veio subitamente perturbar o seu sossego. Levantou-se meio assustado e ficou espiando em redor. Enxergou à distância um bando de animais esquisitos, que andavam sobre as duas pernas.
Observando mais de perto a fisionomia dos tipos, notou que havia entre eles uma estranha semelhança. Surpreso com tal novidade, foi dar a notícia ao chefe em primeira mão. Pulou no tronco da seringueira, onde morava o mestre, que estava justamente tirando uma soneca:
- Mestre Cajuru, acorde! - Disse em tom respeitoso cutucando com jeito o ombro do chefe. Cajuru despertou naturalmente mau humorado e, abrindo um bocão, resmungou:
- Você interrompeu meu sonho bem na hora em que ia me deitar com uma linda gorila. O que você quer comigo, matreiro?
- O senhor já tinha visto aqueles nossos parentes? Acolá, perto dos pés de sumaúma. - Disse Piatã, apontando em direção aos intrusos.
- Caminham de cabeça erguida. Parece que não sabem andar de quatro. Repare que estranho. Olhe o queixo e o nariz! E a boca? Tem um naco de borda. Quase todos têm a cara pelada! Além do mais não têm rabo. Como alcançam as árvores?
- Cale essa boca! Ouça, aquilo não é macaco. Aquilo é homem! - Disse o mestre sussurrando.
- Homem?!
Indagou Piatã com muito espanto. Pelo que ouvira falar, esperava que os homens fossem gigantes, fortes, com pêlo na cara, cauda grande, costas largas, mãos enormes, a juba espessa como a de um leão, enfim, pensava que fossem as criaturas mais belas do mundo.
- Eles são muito valentes. Tome cuidado! Escute o que estou lhe dizendo. Continuou o mestre falando em tom de advertência.
- Mas são mirrados, chochos!
- Fique de boca fechada. Espie naquele troço que levam na mão. Aquilo solta fogo.
Alertou-lhe o chefe. Piatã não lhe deu ouvidos. Custava acreditar naquele macaco velho.
- Mestre Cajuru tá ruim da cabeça.
Concluiu, afastando-se de um salto para outra árvore, onde podia observar melhor a fisionomia dos homens.
- Fogo só nasce da terra ou do céu. - Continuou o macaco falando para si. - Ah, mas eu queria fazer fogo pra queimar o bafo quente da onça pintada.
Naquele instante, Piatã viu o brilho dos olhos da onça cortando a floresta. A fera parou bem debaixo da árvore onde ele acampara. Mais quieto do que um coelho acuado na toca, ocultou-se detrás de um galho com um olho na fera e outro nos homens.
A onça cumprimentou-o com um bom dia, o que era estranho, pois era de seu costume insultá-lo com um alto rosnado.
- Sujeito medroso, desce daí e vem repetir o que disse aí em cima. - A onça desafiou-o quase num cochicho.
- Não. Estou vendo os homens vindo ali. Ouvi dizer que vieram buscar a senhora. Aí eu tava dizendo: tomara que eles não achem a dona onça. Coitada! Ela tá grávida e esse monte de bichos chamados homens no encalço dela.
- Macaco-barrigudo, deixe de ser pentelho. Que fofoca é esta? Não estou grávida! Sempre se importando com a vida alheia. Pois, pelo que sei, eles vieram atrás de você, que é bicho bonito e inteligente!
- Eu?! Isso é verdade. Sou muito bonito mesmo. Mas a senhora é gostosa, gostosa pra leão! Eles querem carne, gordura, filé, dona onça. A senhora é só o filé. Essa sua trouxa de carne é uma tentação!
- Olha, o senhor me ofende. Sou muito delgada para os padrões daqui. Estou em forma, viu! Mas vamos parar de confusão. Vamos fazer uma aliança. - Propôs a onça mudando de tom.
- Espere um pouquinho. A Cobra estar vindo ali. Vamos pedir-lhe a opinião. - Ô dona cobra! - O macaco chamou baixinho.
A Cobra , vigiando em todas as direções, rastejou até o local do chamado.
- O que quer comigo, macaco abusado? Quer que eu te ataque agora? Meu instinto está programado para te atacar à noite.
Sem dar importância à ameaça, o macaco perguntou:
- Você sabia que existe um bicho chamado homem?
- Não!
Respondeu a cobra com fingimento.
- São aqueles que vão acolá. - Disse o macaco apontado em direção ao bando. -Vieram pegar a dona onça. Por isso, ela veio aqui me implorar ajuda. Vê se pode?! Logo ela que vive querendo me pegar.
- Vim propor uma aliança com esse tolo.
- Aliança?! - Admirou-se a cobra. - Nunca ouvi falar em aliança. No meu grupo não há aliança. Seja lá o que for, acho que não tem graça. Por que não fazemos uma aposta? - Propôs a cobra.
- Uma aposta?! - Perguntaram o macaco e a onça em uníssono.
- É como um jogo.
- Um jogo?!
- Sim, primeiro jogamos a sorte. Eu pego três gravetos, um verde, um cinza e um marrom. O preto é o meu , o verde é o do senhor, o marrom é o da senhora. O primeiro que sair é aquele que vai fazer uma estripulia para espantar esse bicho feio. Provavelmente serei a primeira sorteada, se os senhores forem de sorte. Se for o senhor macaco... - A cobra fez uma pausa para se rir do macaco. - Bem, se for o senhor, se vire. Não sei o que um macaco pode fazer pra assustar um animal valente!
A onça e a cobra riram baixinho.
- Ah, é?! - Exclamou o macaco. - E o que ganho com isso?
- Ganha o direito de viver livre. Nunca mais lhe faço tocaia.
Asseverou a onça em tom muito solene.
- Nem eu. - Prometeu a cobra.
- Sei não. Quando a esmola é grande o santo desconfia. - O macaco concluiu.
A cobra fez o sorteio. O resultado veio nessa ordem: macaco, onça e cobra. Evidentemente. A cobra havia manipulado o jogo, o macaco não percebeu; a onça notou, mas tinha um plano.
O macaco desceu da árvore para cumprir o seu destino tremendo mais do que vara verde. Observou que os homens vinham em fila abrindo uma clareira na mata como se tivessem um destino certo. De repente, ouviu-se um estrondo. Começou um tiroteio e bicho caindo aos montes. Piatã estava atarantado. A cobra e a onça berravam chamando-o de covarde.
Os tiros cessaram, mas os homens continuavam se aproximando. Piatã, sem se aperceber, estava quase escorado na onça, esfregando sua cabeça oca no bigode dela. Aquele cheiro forte do macaco deixava a onça enlouquecida.
Enquanto Piatã coçava a cabeça pensando em pregar uma peça no bicho homem, a onça atacou-o e engoliu-o de uma vez .
A cobra, fingindo espanto, reclamou:
- Que ato vil! Comeu o macaco pelas costas! Que covardia!
A onça lambendo os beiços de prazer, respondeu:
- Não foi porque quis. Pobre macaco!
A cobra, por sua vez, engoliu a onça.
- Não foi porque quis, senhora onça. Obrigada por ter pego o macaco!
Exclamou a cobra lambendo os beiços, ao mesmo tempo em que tentava bater em retirada. Pesadíssima como estava, não agüentou ir muito longe. O homem avistou a cobra e meteu fogo. Acertou bem no olho da fera. A cobra lutou, jogou o bote, mas estava muito pesada, com a onça e o macaco por dentro. O homem era um bicho realmente feroz. Mais fogo! Dessa vez acertaram bem na cabeça.
Partiram a cobra ao meio. A onça deu de cara com o bicho homem e, naquele aperreio, vomitou o macaco. Este, por sua vez, saltou com rapidez incrível e escapou para o alto de uma árvore. A onça fugiu em disparada. Mas, antes que tivesse tempo de escapar, um tiro atravessou-lhe o couro. Ela voou pelas alturas feito um macaco. Por sorte ou azar, quando ia passando rente ao galho onde estava seu ex-aliado, ele, muito ágil e gentil, segurou-a pela mão.
- Dona Onça, chegou a sua vez de me pagar a traição!
Foi aí que a onça tremeu.
Mestre Cajuru que assistia a tudo escondido no oco de uma árvore, filosofou:
- Eu, que sou macaco velho, não meto mão em cumbuca.
Moral da História: Mais vale um macaco na mão do que uma onça voando.
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
Pé de ingazeiro no bolso
quarta-feira, 26 de setembro de 2007
O sabiá canta!
Ele canta, canta... Faz um curto intervalo e reinicia a cantoria.
Que se apresente indivíduo mais alegre.
Esse eu vou admirar. Mas me prove!
quinta-feira, 20 de setembro de 2007
Frases Goianas
Quem pariu Mateus que o embale.
Tem gente que reclama até de dinheiro novo.
domingo, 16 de setembro de 2007
O livro violeta
Belos escritos escreveram seu próprio epitáfio.
- Aqui jaz um livro que nunca foi aberto!
Veio a traça analfabeta e o corroeu.
Era um livro azul-violeta.
sábado, 15 de setembro de 2007
Violeta esquecida na sala
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
Esponjinha-Vermelha ou Caliandra
Ensaio para um retrato falso de um homem
Sim! Havia Tereza. O que ela via por trás daquelas pálpebras congestionadas era o brilho dourado dos olhos da cor de mel. Se embevecia com a cadência do olhar e com o gesto suave de cerrar as pálpebras que ele imprimia quando olhava em sua direção.
Depois houve Júlia, houve inas e anas. Mas que ninguém duvide: o retrato que lhe fiz é verdadeiro.
Passeio pelo rio Tigre
Anotações sem data sobre os mortos
Frase amiga
Me dijo un argentino, por supuesto.
Pâtisserie
Invencionices
Histórias crocantes
Ou de comer
Fleche-contos
ou fechiclé?
Flechadas
escarlate
vermelho
encarnado.
Excentricidades
instantâneas ou lentâneas?
Escolha o que quiser.
A mulher dos Porquês
- Por que será que o dono dessa casa pintou ela de rosa?
- A Mariquinha não vai precisar mais do carro? Por quê?
- Gato passa o dia inteiro dormindo, será por quê?
- A pressão da panela não pega, por que será?
- Não sei por que aquela mulher pintou o cabelo de loiro.
Os porquês dela se destinavam às coisas mais triviais. Aquelas perguntas levavam qualquer um à exaustão.
Arg! Não sei por que dona Filismina tinha tantos porquês.
sexta-feira, 7 de setembro de 2007
O homem seguro e a seguradora
- Pessoal, vocês sabem que não pode deixar resto de comida, né. Junta barata. Então, fazendo o favor, vou comer esse restinho.
Os outros se entreolhavam, tinham vontade de rir, mas não diziam nada. Todos os dias, Daboberto arranjava uma desculpa pra papar o resto da comida. Assim economizava a janta.
Como era de esperar, gostava de levar vantagem em tudo. Ter prejuízo, então, o deixava ensandecido. Pois, outro dia, ele recebeu o troco.
Daboberto perdeu a chave do seu quarto que, de costume, ficava trancado. Sem a porta aberta não havia banho, nem cama, nem tevê, nem roupa pra trocar.
Lembrou-se que havia feito um seguro residencial por um preço camarada. Ligou pra seguradora e pediu um chaveiro. A moça do seguro perguntou-lhe se era a porta da frente ou a dos fundos. Fingindo que não entendia o porquê respondeu que era a dos fundos.
Mas a moça quis saber mais. Perguntou todos os dados, desde o CPF ao nome da mãe. E, nessa brincadeira, lá se foi meia hora. Ele já estava ficando exausto, quando a moça lhe assegurou:
- Senhor, o serviço de chaveiro estará chegando em sua residência dentro de quinze minutinhos.
Passaram-se quinze minutos, meia hora e nada de chaveiro. Vendo que o relógio já marcava onze horas, resolveu ligar pra seguradora novamente.
- Senhor, espere mais quinze minutinhos.
- Minha senhora, já esperei meia hora, não tô pra brincadeira não.
- O senhor está sendo gravado. - Alertou do outro lado da linha.
- E eu tô me importando. Vocês é que tão me roubando. Tão roubando meu tempo.
De quinze em quinze minutinhos o tempo passou e o chaveiro chegou à meia noite. Daboberto estava fora de si. Toda a sua placidez havia se evolado. Seu cenho estava mais trancado do que a porta, suas sobrancelhas mais arqueadas do que olho de gato assustado, seu gogó mais estufado do que saco de batata, seus olhos mais esbugalhados do que olhos de coruja. Ele estava babando de raiva feito um pitbull.
- Boa noite! - Cumprimentou o chaveiro.
- Que boa noite o quê, seu malandro! - Daboberto devolveu. - Passa duas horas pra vir fazer seu serviço e ainda chega com essa cara limpa.
- Acontece que eu tinha outros chamados. Mas qual é a porta?
- É a porta do meu quarto. Não vê?
- Esse serviço o seguro não cobre.
- Como é que é?!
- Só abrimos porta de entrada ou porta dos fundos. O senhor pode pegar a apólice e confirmar.
- Onde é que tá escrito? Como posso comprovar se tá dentro do quarto? O trabalho não é o mesmo? Quer dizer que a porta do meu quarto é mais difícil de abrir? Pois vou cancelar este maldito seguro agora!
- Faça o que bem entender. - Disse o moço do serviço de chaves fazendo pouco caso.
Daboberto ficou mais meia hora ligando pra seguradora, enquanto isso o chaveiro se mandou. Já era uma hora da manhã, quando ele tomou a decisão. Deu um chute na porta arrebentando com tudo. O que mais lhe doeu não foi ter rachado o pé. Foi o cômputo do prejuízo!
domingo, 26 de agosto de 2007
Sabiá canta de noite
Dona Maricota perguntou.
- Não sabiá não canta de noite. Ele dorme.
- Pois estou ouvindo o sabiá cantar! Não está ouvindo, Mariazinha?
- Não, mamãe. Estou ouvindo um gato chato miando.
- Filha, escute. Que canto bonito! E que miado carinhoso.
- A senhora passa o dia ouvindo o sabiá e de noite o canto fica reboando na sua cabeça. Igual eco.
- Ah, é tão lindo. Que pena, filha, que não escuta. A lua está clara. Ele pensa que é dia.
- Sabiá não se engana. Pode um galo se enganar, mas os passarinhos são mais espertos.
- Tem razão.
Porém, naquele instante, o canto do sabiá tornou-se mais audível e Mariazinha também o escutou como se a ave acabasse de se empoleirar na janela do quarto.
Dona Maricota sorriu, fechou os olhos e dormiu. Foi assim que a mulher que amava plantas e animais partiu.
sexta-feira, 17 de agosto de 2007
Os "cansados" sem causa!
Os "cansados" sem causa me exasperaram.
Estão cansados?! Mas vá tomar ônibus!
domingo, 12 de agosto de 2007
Jingle do Uelsão
Ponha um chinelo no pé,
Vem pra marcha dos contentes
Cum dente, cum Uelsão e cum fé.
terça-feira, 31 de julho de 2007
Biografia não autorizada de Wellson X., vulgo Uelsão
Devo explicar que o texto abaixo foi escrito como exercício literário proposto pelo professor da oficina literária de que participo. O exercício consiste em escrever uma biografia difamatória como o fez o escritor argentino Jorge Luis Borges na obra "História Universal da Infâmia".
O nome verdadeiro do "escolhido" não pode ser revelado.
Wellson X. ou Uelsão, como gostava de ser chamado, era o radialista do programa mais ouvido pelas empregadas domésticas do Distrito Federal e entorno, segundo atestou um famoso instituto de pesquisa. Depois de consultar umas trinta representantes da categoria e ouvi-las repetir o nome do programa como o seu predileto, o instituto anunciou essa descoberta científica.
Aproveitando a deixa, Uelsão passou a se identificar não só com as mulheres que exerciam aquela função, mas com o sexo feminino como um todo. Foi aclamado por uma centena de dondocas e outras pessoas da elite como benfeitor do povo porque teve a feliz idéia de criar uma escola para formar empregados domésticos, jardineiros, limpadores de piscinas, puericultores e outras especialidades congêneres.
Porém, como ninguém acha que precisa estudar para exercer essas ocupações, a idéia nunca saiu do papel. Alguns se interessaram em saber o que era puericultura, mas quando descobriram que significava cuidar de crianças, ou seja, o ofício de babá, desistiram de entrar na futura escola.
Sempre preocupado com a dignidade humana, Uelsão começou a distribuir dentaduras. Para isso, investiu a bagatela de dez mil reais, o que deu para comprar cerca de trinta mil das famosas chapas, além de dez mil pares de chinelos. Candidatou-se nas eleições seguintes ao cargo de Deputado Distrital e obteve cerca de onze mil votos.
Uelsão, mesmo eleito, reclamou:
- Fui traído pelos banguelas! Nem metade votou em mim. Que povo ingrato!
Completou dizendo palavrões impublicáveis.
Uelsão proclama aos quatro ventos que seu destino é viver próximo ao povo humilde, por isso mora numa região onde há bastante jardineiro, cozinheira, copeiro, faxineiro, passadeira, pedreiro. Trabalhando, diga-se. Gente humilde habitar ali, só se for na casa dos fundos!
O deputado conta que a sensibilidade é a marca de seu caráter. Prova isso a sua última boa ação. Doou, como se fosse seu, um terreno público para uma gente que não sabia que seria chamada de "invasores".
Depois de todos os esforços das autoridades para expulsá-los de lá sem obter êxito, Uelsão mandou um testa-de-ferro comprar a troco de vintém uma dezena de lotes. Lá construiu um supermercado. Seu empreendimento está lhe rendendo dez vezes mais que os proventos de deputado.
domingo, 29 de julho de 2007
Um Amor de Poeta
Ia andando em direção à Lagoa Rodrigo de Freitas, hipnotizada por uma estrela, que apontava naquela direção, quando se encontrou com o poeta. Estava sentado com as costas para o litoral rabiscando um caderno. Sem pedir permissão, sentou-se ao lado dele.
Depois de alguns instantes de suspense, o poeta levantou a vista e sorriu timidamente admirando aquela moça que ousara sentar ao seu lado e, ainda por cima, olhar indiscretamente em direção às páginas de seu caderno. Ela agiu com naturalidade, sorrindo ao mesmo tempo em que sacudia uma perna e olhava com o canto do olho para ele, fingindo que admirava a estrela.
Uma menina, que não estava na história, viu Elisa sentada ao lado daquele senhor e, não se agüentando de curiosidade, perguntou:
– Ei. Ele é seu namorado?!
– É.
– E faz tempo?
– Muito tempo.
– Deve ser muito rico!
A menina concluiu e se foi.
O poeta continuou em silêncio, mas Elisa percebeu um indiscreto rubor em suas faces. Ele era tão tímido. Parecia um menino. Melhor seria ir embora sem dizer palavra! Mas sair de perto dele não era fácil. Sua presença suscitava a velha Sacopenapan com seus casarões e seus imponentes jardins; fazia a maré subir e cantar uma canção límpida, a brisa correr solta e subir pelas montanhas.
Elisa pôde sentir por um instante os secretos odores guardados há séculos pela atmosfera e, num devaneio, abraçou o poeta. Ele deixou-se abraçar.
– Você não tem vergonha de namorar esse velho?!
Era a mesma menina que surgira de repente como se estivesse esperando aquele momento para entrar em cena.
Elisa levantou-se, arrumou os cabelos. Um fio escapou e caiu sobre a página que o poeta estava escrevendo. Ele acariciou-o entre os dedos, enquanto observava a sua companhia se afastar. Felizmente, ela não viu essa manifestação de carinho do poeta, senão teria ficado com ele para sempre.
Não demorou muito tempo, o poeta morreu. Fizeram a sua escultura. Colocaram-no sentado, voltado para a terra, com um caderno na mão, no mesmo lugar e na mesma posição em que estava naquele dia, mas esqueceram de esculpir a companhia que o poeta repentinamente amou.
segunda-feira, 23 de julho de 2007
As Aventuras de Harry
O meu Harry não é bruxo, nem entende de mágica, nem de trouxas. É pacífico, tranqüilo e sua maior aventura é poder dormir no sofá enquanto estou no trabalho.
Chego em casa, ele está espalhadão, dono da sala. Boceja e me cumprimenta com voz preguiçosa.
- Harry, Harry!
Respondo.
- Que vida maneira!
Concluo com certa inveja.
Ele é um gato branco que não quer ser dessa cor. Gosta de se camuflar com o barro vermelho. Não só com o barro, mas com cinzas, folhas, flores, penas de pássaros e tinta, se tivesse.
Harry adora tirar uma soneca no encosto do sofá e deixá-lo coberto de pêlo, mas sabe que isso não me agrada nada. Por isso na hora em que chego, o que ele faz? Pula e se deita enrolado na sua sestinha com a expressão mais charmosa do mundo, com uma pata do lado de fora, para mostrar que já é grande e que não cabe mais naquele espaço.
Faço-lhe um carinho e ele permanece ali apenas para me agradar. Doce Harry! Quem é capaz de tamanha doçura?!
domingo, 22 de julho de 2007
Os donos do jardim
terça-feira, 10 de julho de 2007
A Mulher que Vendou os Olhos
Você me pergunta por que uso esta venda nos olhos. Não sou cega. Nem tenho os olhos feios. Asseguro-lhe que são belos. Foi obra de um demônio. Por isso se um dia um demônio lhe procurar e soprar no seu ouvido a verdade, fuja. Não lhe dê ouvidos.
Não faz muito tempo, um desses seres me procurou e perguntou se acaso eu não quereria saber a verdade.
- A verdade sobre o quê? - Indaguei.
- Sobre o céu e a terra.
- Não. É conhecimento demais para minha cabeça. - Recusei. - Quero apenas a verdade sobre os homens.
O demônio sorriu com ironia. Observou-me por algum tempo com ar paternal, depois advertiu:
- Não podeis modificar as opções feitas em datas anteriores.
- Demônio, não me fales por enigmas, seja simples que entendo pouco mais que nada de filosofia. Queres a minha alma em troca?
- O que é isso?! - Ele retrucou meio indignado.
- Sequer pedes minha alma? Então desembuche logo. Diga a verdade sobre os homens que estou louca para descobrir o que se passa dentro deles.
O demônio desapareceu. Segui sozinha pela estrada, andando apressada, na expectativa de que a verdade me fosse revelada. Mas nada havia mudado debaixo do céu.
- Tudo o que o demônio disse não passa de uma brincadeira!
Estava chegando a essa conclusão quando entrei na curva do caminho. O cenário tornou-se espantoso. O céu escureceu, as árvores secaram, as flores dos arbustos murcharam. Ao longe, avistei um homem sem cabeça. A coisa mais inverossímil do mundo era que ele estava vivo e trabalhava! Sentado numa poltrona, observando-o, havia um outro. E, para meu espanto, ele comia a cabeça do primeiro.
- Ei, não faça isso! Não sabe que não pode comer um outro homem?!
O dito cujo avançou na minha direção como se quisesse me agarrar. Fugi sem olhar para trás.
Quando me vi livre, comecei a xingar aquele demônio. O que ele queria me dizer com aquilo? Queria me assustar! Agora devia estar dando risadas. Só queria se divertir às minhas custas!
Para minha sorte ou azar, avistei uma linda casa onde havia um rapaz afiando uma foice. Pareceu-me uma pessoa normal. Pelo menos possuía a cabeça no lugar.
- Boa tarde.
Cumprimentei-o, mas ele não deu resposta. Passou os dedos pelo gume do instrumento e, olhando por cima da minha cabeça, esbravejou:
- Voltem. Escondam-se, monstrinhos.
Virei-me e encontrei dois seres diminutos, da estatura de uma criança, cujas faces eram cansadas e envelhecidas. Vinham trazendo nas costas pesados sacos de batatas. Obedecendo ao sujeito, eles caíram por terra.
- O que é isso? Poderia me explicar?
O homem, em vez de responder, girou um laço com o qual me prendeu.
- Tudo o que entra na minha propriedade me pertence.
Ele disse, amarrando-me como um cão no tronco de uma árvore.
Vivi um longo tempo na companhia dessa criatura que para ser o diabo só faltava morar no inferno. Mas, não. Ele morava num lugar aprazível, um lugar cheio de árvores e pássaros cantores.
Os seres que ele mantinha como escravos agrediam-me. Eu prometia libertá-los em troca de sua ajuda, porém, eles não acreditavam. Atiravam-me pedras, chutavam-me ou me mordiam.
Uma noite, desceu sobre mim uma ave gigantesca e com seu bico ela desatou o nó que me prendia à árvore. Estava livre!
O meu algoz dormia. As duas criaturas também. Eu deveria ter fugido dali o mais rápido possível, mas a curiosidade fez com que eu desse uma espiada na casa.
Era uma morada muito rica. Havia muitos objetos estranhos, porém, nada me estranhou mais que três corações expostos dentro de uma cristaleira. Um deles era grande, os outros pequenos. Toquei-os. Eles pulsavam! Parti assustada.
Lembrei-me do homem da estrada. Voltei lá e encontrei-o dormindo numa esteira. Arranquei das mãos do canibal a cabeça e a coloquei nos ombros do dono. Sentindo o seu crânio no lugar, ele acordou. Levantou-se com muita disposição.
- Finalmente posso sorrir! Posso falar!
Ele disse de um jeito exultante. Arrumou as suas coisas e fugiu.
Fiquei para trás. Ia caminhando devagar pensando sobre esses acontecimentos quando dei de cara com o dito demônio, que me indagou:
- E aí? O que está achando do jogo?
- Se eu quisesse ver um filme de terror, comprava o bilhete!
Parti contra ele com unhas e dentes. Ele fugiu dando risada e ainda teve coragem de repetir a advertência inicial.
Assim, já não tenho mais opção. Sou obrigada a ver a verdade. É por isso que uso esta venda nos olhos.
A mulher terminou de contar sua história e, para surpresa de todos, retirou a venda. Seus olhos eram como o farol de Alexandria. Porém, a platéia mal teve tempo de contemplá-los. Apavorada, aos gritos, tapou os olhos. Ninguém sabe o que ela viu.
quarta-feira, 4 de julho de 2007
Dona Divina e Zé Comprido
Ele era um sujeito muito engraçado. Comprava um par de botina nova e só usava na festa de São João. Isto é, ele colocava-as nos pés, pois quando chegava no local da festa, atrelava-as e jogava-as nas costas. Ficava de pés descalço do jeito mais natural do mundo.
Mas bastava dona Divina aparecer e dizer quase num resmungo:
- Nhô!
Zé Comprido mais que depressa entendia o recado e colocava o calçado. Porém, na hora em que ela dava as costas, voltava a pôr os pés no chão. Ficava jogando truco cofiando o bigode. Os seus companheiros bebiam pinga. Ele só ficava sentindo o cheiro e pensando na Dona Divina, que com certeza, estaria rezando o rosário, tirando terço, acendendo velas, pedindo perdão pelos pecados que o marido lhe obrigava a cometer.
- É fornicação, homem. Deixa-me dormir em paz.
Porém, depois de tanto remelecho, entre apelos e beijos, a mulher terminava cedendo. E a filharada crescia.
A coisa mais estranha era a falta de semelhança entre os filhos do casal. Eram treze criaturas, cada uma com o semblante tão diferente da outra que ninguém julgaria que fossem irmãos. Mas Dona Divina era mulher honesta.
Uma vez alguém insinuou que o seu Zé Comprido tinha esse apelido por causa do tamanho do seu chifre. Dona Divina espichou os olhos para o sujeito. Não precisou dizer nada, deu-lhe um nó na língua. O autor da infâmia está com a língua presa até hoje. Quem manda querer atrapalhar a felicidade dos outros!
terça-feira, 3 de julho de 2007
O enigma do desaparecimento de Liliana
Foi na manhã do dia vinte e dois de junho de mil novecentos e oitenta e seis. Era um domingo, lembrava-se. O segundo dia do inverno. Ainda estava na cama quando ouviu o telefone tocar. Sua esposa fora atendê-lo e voltara com aquela notícia.
– O quê? Que Liliana?!
– A sua Liliana!
Disse-lhe a esposa com certa rispidez.
Agostinho se levantou atordoado. Acordando, finalmente, calçou os sapatos e meteu-se na sua roupa. Enquanto isso, as palavras iam penetrando em seu ouvido, em seus olhos, em seu coração, fazendo um furo no seu peito.
– Repete, por favor. A Liliana...
– Lamento, Agostinho!
Disse Sílvia e, num gesto de carinho, apoiou o esposo, amarrando o cadarço dos seus sapatos.
– Mas ela não estava doente! Foi algum acidente?
– Não sei dos detalhes.
– E você não perguntou?
– Não. Eu não tive coragem.
– Por que não perguntou? Talvez nem seja a Liliana mesmo. Sei lá. Pode ser um trote. Ela estava tão bem. Não acredito!
Há mais de vinte anos, ele ouvira aquela notícia, mas a frase estava tão fresca na sua memória que parecia que a havia escutado ontem. Porém, naquela manhã, ele ouviu a sua esposa dizer: "Agostinho, Liliana voltou."
Ele despertou tomado por uma louca alegria.
– Liliana voltou, Sílvia? Eu sabia que ela estava viva!
Mas logo se deu conta de que havia sonhado e que sua esposa dormia profundamente.
Vestiu o seu sobretudo. Era inverno novamente. Calçou os sapatos e prendeu os seu próprios cadarços. Pegou a sua maleta com muito vagar para não acordar Sílvia. Guardou ali o retrato de sua mãe e o seu de quando menino, preencheu o restante do espaço com livros. Não pegou mais nada.
Olhou para a mulher estendida na cama. Pareceu-lhe uma estranha. Admirou-se de que nunca tivesse notado o aspecto dela. Observou-a com espanto. Aquela mulher não correspondia à imagem daquela que ele tinha na mente. Era estranho. Sem entender por que vivera com aquela estranha por tanto tempo, ele se foi.
Onde estava Liliana? Era um mistério! O que sabia era que uma parte dela sempre vivera dentro de si.
– Enterre essa morta, pelo amor de Deus!
Quantas vezes Sívia lhe pedira isso? Ele se recusava. Seria mais fácil enterrrar a esposa.
Quando ele sumia de casa, todos já sabiam: ele estava com a "defunta".
Agostinho ficava horas diante do sepulcro, que possuía uma escultura de Liliana com seu cão e os dizeres: Liliana Crocci e seu fiel amigo Babu. Não havia nenhum epitáfio, apenas uma estrela com a data de três de março de mil, novecentos e sessenta, e uma cruz com a data da morte.
Na opinião dele, ali devia estar escrito: "Não sinta inveja do meu cão!"
Ele se recordava da sensação que experimentou quando conheceu Liliana e que havia escrito:
"Hoje conheci a mulher em quem deveria ter dado o primeiro beijo."
Mas ele já estava casado e com um filho pequeno. Era um bebê tão frágil e tão meigo. Tão dependente de seu amor. Optara por seu filho. Porém, fazia uma semana que aquele bebê havia se casado com uma moça incrivelmente parecida com Liliana.
Aquela semelhança perturbava-o e fazia com que ele sentisse um ponta de inveja do filho. Ele meditava:
– E pensar que deixei Liliana por causa dele! E se eu tivesse fugido com Liliana?!
Uma única escolha e se muda todo o rumo da existência!
Agostinho saiu de casa naquele dia prometendo a si mesmo que voltaria quando descobrisse a causa do enigmático desaparecimento de Liliana. Até hoje não voltou.
domingo, 1 de julho de 2007
Diário de Viagem - Passageiras Clandestinas, Buenos Aires, 07 de junho de 2007
Graças à memória da Jô, minha amiga e companheira de viagem, é que posso afirmar: mal vi a beleza de Buenos Aires, desmaiei na cama do hotel. Que disposição! Que sublime! Mas, considere, foram quatorze horas de viagem. É a duração do percurso Pelotas – Buenos Aires, feito de ônibus, isto quando não há nenhuma confusão aduaneira. Dependendo do “humor” dos fiscais da aduana do Uruguai, podemos ficar por horas nesses divertidos paradouros, segundo me informaram.
O nosso hotel ficava na rua Lavalle, cruzando com a famosa Florida, uma rua larga, exclusiva para pedestre. É muito bonito ver de longe milhares de silhuetas de cabeças escuras. Pareceu-me que a maioria da gente de Buenos Aires tem cabelos escuros e a pele clara.
Iniciamos nosso passeio por essa rua. Havia neblina e frio, mas o som do tango ecoava caliente e glamouroso e, como um magneto, nos atraiu. Não encontramos um tocador de bandonion, mas um simpático argentino que colocava os CD no aparelho de som numa loja localizada ali perto e que se tornou nosso amigo. Ouvimos a música e analisamos os preços. Estavam razoáveis, por volta de $20 (vinte) pesos, o que correspondia a pouco mais de quatorze reais. Mas não compramos nada, primeiro tínhamos que ir à casa de câmbio.
Sim, pois para duas calculistas como nós, quer dizer, duas pessoas que vivem exatamente de fazer cálculos, sabíamos que era mais econômico comprar pesos. Fiz as contas: para comprar um dólar no Brasil pagamos R$ 2,07 reais. (Roubaram-nos!) Com os mesmos reais se comprava em Buenos Aires 2,90 pesos, ou seja, iam faltar dez centavos de pesos para comprarmos o mesmo dólar, uma diferença de sete centavos de reais! (Um dólar valia três pesos argentinos.) Logo, se observássemos os preceitos de nossa profissão, se fôssemos verdadeiras calculistas, teríamos comprado dólar suficiente no Brasil.
Dirigimos-nos à dita casa de câmbio. A rua estava um formigueiro. Havia muitos argentinos, pero el sonido de su idioma era sufocado pela voz dos brasileiros, que pareciam ter tomado de assalto a rua inteira. Uma verdadeira ocupação territorial! Talvez somente na rua 25 de março (São Paulo) fosse possível ver tanto brasileiro desfilando junto!
Chegamos na casa de câmbio. Por sorte não havia ninguém na fila. Entregamos nossos reais e pedimos pesos. Houve um pequeno problema, nossas para sempre extraviadas carteiras de identidade foram solicitadas. Sem estas nada feito!
Como narrei anteriormente, eu e minha amiga viajamos como clandestinas justamente por não ter esse documento indispensável a qualquer cidadão. De repente, a fila da casa de câmbio cresceu! Estávamos ali como dois automóveis quebrados, congestionando o tráfego.
– E agora?! – Perguntei à Jô, como se ela tivesse a solução para tudo. Embora eu soubesse que no final sobraria para mim! As coisas mais inconvenientes ela sempre deixou a meu cargo, assim como eu deixo os problemas que envolvem gente da alta para ela. Desse modo, comunicar-se com as pessoas sem as cerimônias oficiais cabia a mim.
Restava-nos duas opções: comprar pesos no mercado paralelo ou se virar para um brasileiro e pedir, com a cara mais limpa do mundo, que comprasse a moeda para nós. Foi o que fiz. Voltei-me para a moça que estava atrás de nós. Fiz uma análise de seu perfil a la dona Elaine, a que adivinha o caráter, e vi que ela não recusaria meu pedido. Então, dirigi-me a ela com meu mal castellano, assim:
– Acaso se llama Michelle?
– Sí.
Ela me respondeu com um sorriso de surpresa.
Bem, eu esperava que ela dissesse “não”, assim eu diria: "porque eu pensei que fosse a Michelle Pfeiffer!"
Esse plano eu imaginei depois. Por sorte, ela era nossa colega de viagem. Se não a conhecêssemos sairíamos dali com o rabinho entre as pernas e iríamos direto para a banca do fulano que vendia pesos sem burocracia, que se dava apenas ao trabalho de virar as notas de reais contra a luz, pois não queria receber cédulas falsas. Eu mesma encontrei mais tarde uma moça com uma nota de cinqüenta reais que ele recusou. Mas é verdade que a moça se chamava Michele e que se parecia com a Pfeiffer.
Depois que ela nos comprou os pesos, tive a cara limpa de lhe dizer isso, ao que ela me respondeu:
– Minha mãe queria que eu fosse parecida com a Michelle Pfeiffer.
– Desejo de mãe é poderoso!
Concluí, despedindo-me. Em seguida pensei: minha mãe também gostaria que eu me parecesse com a famosa atriz, porém não deu efeito nenhum sobre os meus traços!
Ainda não havíamos almoçado. A comida é uma das coisas mais convidativas de Buenos Aires. Por favor, não vá pensando que eu sou uma morta de fome! Comida também é cultura! Há gente que viaja para lá somente para comer e outros somente para comprar. Juro que viajei com o propósito de ver como ficam os plátanos e os álamos no final do outono!
Estava escrevendo sobre a comida. No fundo, acho que o relato dessa confusão era dispensável, o que não podia deixar de escrever era sobre a comida de Buenos Aires! Não há adjetivos que possam descrever o seu sabor! É divina!
Os restaurantes, com seus janelões e portas de vidro, deixam ver tudo da rua: os clientes comendo, os pratos fumegantes, as mesas postas, a carta de vinhos, talvez justamente com o propósito de fazer quem passa por ali ficar com água na boca.
Vi um sujeito mais concentrado do que noiva na hora do casamento diante de um prato. Vi quando ele levou a carne à boca e a mastigou. Naquele momento, desenhou-se em seu rosto uma expressão de profundo prazer. Foi o suficiente para que eu retornasse àquele restaurante e pedisse o mesmo prato. Decorei o endereço, rua Corrientes, 499, Restaurante Pétalo.
A Entrada
Pedimos uma entradinha para acalmar nossos estômagos demasiados ansiosos: um empanado petalo (de presunto e queijo) e outro de frango.
Estava um primor, um verdadeiro brinde.
O Prato Principal
Medallón de lomo (filé) para compartir: lomo al champignon: cebolla, mantega, vino, crema, champignon, demiglacé y papas pela bagatela de $35,00 pesos.
O problema era o preço da água. Uma garrafinha por quatro pesos! Dá vontade de exportar água para a Argentina. Que caro! E o cafezinho é a mesma coisa.
Para que não saíssemos do restaurante com vontade de dormir, tomamos um cafezinho y gracias. Sem direito à sobremesa. Estávamos com os cinco sentidos satisfeitos e não agüentávamos mais tomar nem corrente de ar.
Grande Final
Antes de sair, eis que derrubo o porta-guardanapo, o que fez um barulho estridente. Dei um susto nos fregueses que aguardavam o prato. Os que estavam comendo nada viram, por supuesto...
segunda-feira, 11 de junho de 2007
Diário de Viagem, Passageiras Clandestinas
Mi Buenos Aires Querido
Passageiras Clandestinas
Pelotas, Rio Grande do Sul, 06 de junho de 2007
Começamos bem...
Chegamos no ônibus atrasadas. Sentamos em nossas poltronas mais sorridentes do que quando passamos no vestibular. Ainda bem que não haviam nos deixado!
Não tínhamos terminado de comemorar, quando ouvimos a guia anunciar pelo microfone: Tenham suas carteirinhas de identidade em mãos, por favor. Vou passar para recolhê-las agora. Ah, lembro que não serve carteira de motorista!
Eu me virei para minha amiga, que se chama Jô, e confidenciei:
– Eu só tenho carteira de motorista!
– Mas como?! Não trouxeste tua identidade? Ah, eles não vão aceitar. Nem o passaporte?
– Claro que não. Não tenho. E agora? O que vamos fazer?
– Não te preocupa. Eu também não trouxe!
A Jô é de fato uma pessoa surpreendente. Depois de quase me dar uma bronca, eu descubro que a danada está na mesma situação.
A guia era uma mulher alta, robusta, daquele tipo que só de olhar mete medo. Ainda bem que ela se virou primeiro para a Jô, que estava na cadeira do corredor. Com ar de inspetora geral, ela, cutucando a poltrona, disse:
– Vamos, amigas, a carteirinha de identidade!
Enquanto conversávamos com a guia, houve uma confusão. Uma outra passageira informou que tinha esquecido a sua carteira, que precisava pegar um táxi e voltar em casa, que isso levaria cerca de quinze minutos. Os demais passageiros começaram a protestar.
– Bem, amigas, ou vocês descem do ônibus ou viajam como clandestinas. – Informou-nos a guia.
– Clandestinas. – Dissemos em coro.
– Sim, mas se um fiscal da aduana entrar, vocês fiquem caladinhas trancadas no banheiro.
Descer, jamais. Depois de gastar minhas economias com a passagem e a vontade louca que eu estava de conhecer Buenos Aires, eu viajaria até trancada no banheiro. Só não dava para ficar lá junto com a Jô. A minha amiga, com toda sua camada de gordura, não caberia lá dentro sozinha, imagine junto comigo!
De repente nos sentimos duas figuras importantes. Éramos clandestinas! O problema é que não podíamos sofrer nenhum acidente, nem nos meter em confusão. Nem morrer podíamos! Íamos causar um transtorno para a empresa, quiçá um incidente diplomático! Tínhamos que ter muito cuidado, assim nos alertou a guia.
– Nós temos sorte, não se preocupe!
Tratei de asseverar à guia, que me pareceu uma figura bastante crédula. Parece que ela acreditou, inclusive os céus e os deuses.
É, parece que estávamos com sorte mesmo! Nossos assentos ficavam em frente ao frigobar, o que nos dava o privilégio, ou não, de ver o desfile dos passageiros a toda hora , e de nos servirmos à vontade. E, em caso de necessidade, era só descer a escada, que estávamos no banheiro.
Fui logo tomar uma água. Depois de me tornar clandestina, tinha que tomar uma água para refrescar o corpo, que apesar do frio, estava quente. Mas a água, de mineral só possuía o rótulo. Estava com cheiro de carne envelhecida.
– Aposto que esta água é da torneira. E o que pior, foi refrigerada num congelador junto com carne velha, com a garrafa destampada...
Eu estava dizendo isso quando a guia apareceu com seu passo manso e me olhou meio atravessado. Fechei a boca e engoli a água com cara de satisfeita. Vai que ela resolve me colocar para fora do ônibus sob o pretexto de que eu estava sem documentos. Adios mi Buenos Aires querido!
Descobrimos que não estávamos sós. Havia uma terceira passageira clandestina, que veio nos confessar que também não tinha identidade. Aliás, essa terceira clandestina mentia muito bem. Era a passageira que disse que precisava tomar um táxi e que deu causa à primeira confusão do ônibus. Ela havia descidoe, depois de alguns instantes, retornou eufórica e informou a todos:
– Achei, achei! Estava na minha bolsa. Ainda bem que encontrei!
Mas ela era muito camarada. Depois, veio puxar assunto, dizendo que estava cansada de ouvir as passageiras do seu lado que só contavam tragédia! Procuramos uma história engraçada para contar e por falta de uma, mostramos-lhe o trecho do Diário de Viagem de Che Guevara, em que contava como ele e Alberto Granado viajaram clandestinos num barco e, o que era pior, trancados com suas mochilas num banheiro. Um banheiro que, diga-se, fedia como um inferno.
Essa passagem do Diário de Viagem de Che era, na minha opinião, muito engraçada, além de comovente. Os dois tiveram que passar meia dúzia de horas se revezando para dizer: “Tem gente” ou “Está ocupado” a cada vez que alguém batia na porta do sanitário. Parece que não agradou muito a nossa companheira, pois ela logo voltou para ouvir as tragédias de suas vizinhas.
O ônibus fez uma parada no Arroio Grande. Nesse momento, finalmente a nossa ilustre guia conseguiu fazer o DVD funcionar. Felizmente não dava para sintonizar no jogo do Grêmio contra o Santos! Para consolar o passageiro frustrado com isso, eu afirmei com a categoria de um profeta:
– O Grêmio vai ganhar! Sempre que eu digo vai ganhar, ele ganha!
Mas o homem ligou o seu rádio de pilha, o que me incomodou um bocado. Então eu refiz mentalmente a minha aposta e torci para que o Santos vencesse. Não deu outra!
Bem, eu desmaiei e dormi. Acordei pelos chamados da Jô:
– Estamos chegando. Olha, Buenos Aires!
Eu olhei pela janela, mas, com a vista meio embaçada, eu só vi neblina e a luz mortiça dos postes. Admirei que minha amiga estivesse acordada, ela que costuma dormir como os gatos.
– Jô, tu não dormiste?
– Não. Não posso dormir.
– Por quê?
– Porque se eu dormir todo mundo acorda com meu ronco!
– É mesmo! Eu havia me esquecido desse detalhe. E pensar que vou dividir o quarto contigo! Estou feita...
Isso tudo aconteceu antes que puséssemos nossos clandestinos pezinhos no solo de Buenos Aires.
domingo, 3 de junho de 2007
Boris vai cantar para uma "socialite"
É uma senhora que, para evitar o "transtorno" de ser confundida com gente humilde, anda metida numas roupas tigradas, (parecem que foram feitas com a pele do gato) , que usa uns óculos enormes, pois, desde criancinha, ela sabe que mulher rica, melhor dizendo, madame, usa óculos grandes. Sua equipagem não termina aí: ela usa muitas jóias, que vão do braço à orelha.
Quando alguém olha para a grossa corrente do seu pescoço, antes que o admirador tenha tempo de perguntar, ela afirma: - É de ouro puro!
Não tem um dia, nem uma ocasião, em que ela não faça algum desses comentários:
- Eu fui a Paris. Fui relaxar! Fui a Miami, fui fazer umas comprinhas!
Diz com a mesma naturalidade com que um morador da cidade do Paranoá diria que foi ao shopping Conjunto Nacional.
- Ah, eu ontem fui a um jantarzinho com o doutor senador P.
E não se contentando em dizer apenas o nome do excelentíssimo, ela acrescenta:
- Ele é um homem tão educado! Cumprimenta todo mundo! É simples!
Uma parte da platéia espicha os olhos, admirada das relações da madame.
- Ah, minha casa é cheia de empregados... mas é por causa do meu marido. Por mim, não faço questão! - Ela solta.
- Vou fazer a festa de aniversário da minha princesa. Infelizmente a festa não vai ser na minha casa, pois estou com uma pequena obrinha. - Sim, ela diz "pequena obrinha". Depois com ar de despojamento, completa:
- Estou mandando fazer o elevador para o terceiro andar! Um sofrimento! obra dá trabalho!
Até parece que ela ajuda os operários, que é ajudante do pedreiro.
Ah, mas ela é tão boazinha! Nem sabe qual a cor dos olhos da empregada que serve a mesa de sua casa, mas lhe deu uma dezena de roupas de presente de natal. Também não iam ter mais serventia para ela!
- A minha princesa vai fazer três anos! Acreditam?!
Interessados na festa, seus interlocutores, sem saber que ela está se referindo à sua cocker spaniel, perguntam:
- Quando vai ser a comemoração?!
- No próximo mês. Os convitinhos vão chegar na casa de vocês. Sabem quem vai cantar no aniversário dela?
- Não! - Respondem em coro.
- O Bóris!
- O famoso tenor russo?
Resolve chutar uma das socialites que, por acaso, não entende nada de música.
- Não. É o gato que canta com os pássaros!
Todas se entreolham em estado de choque, sem ousar revelar o que acabam de pensar!
domingo, 27 de maio de 2007
Boris, o gato que cantava com os pássaros
Foi no dia daquela tragédia que Estela encontrou Bóris passeando sozinho. Chamaram-lhe a atenção a sua pelagem amarela, laranja-escuro, recoberta com linhas tigradas, o seu caminhado alegre e o seu olhar simpático. Ainda era um gatito.
Quando ela o pegou no colo, ele fez um miadinho como se dissesse:
- Cuidado, seja mais delicada!
Depois de um instante, já estava ronronando tranqüilo. (Se existe uma coisa que os gatos sabem é em quem confiar.)
Quando chegou em casa encontrou um rival: um currupião cantor que partiu para cima dele com unhas e bico. O gatinho se encolheu assombrado e se enfiou detrás do sofá.
Depois dessa recepção calorosa, o gato cresceu pensando que aquele bichinho pequeno, colorido, que tinha o dorso amarelo, como ele, deveria ser a figura do que lhe ensinaram ser um cão.
O currupião nunca aceitou a amizade do Boris. Era muito convencido de seus dotes. Sabia cantar, assoviar e imitar os compassos do Hino Nacional, o que deixava seu Francisco, o dono do bichinho, muito orgulhoso.
O currupião escutava de mau humor os sons que o gato produzia e se pudesse falar, ele diria:
- Ô, Boris, cale a boca! Você não vai conseguir cantar nem do jeito de um tiziu que dirá com a minha perfeição!
Parece que o gato ouviu e topou o desafio. Foram meses, anos de treinamento solitário, sem maestro ou partitura. Toda vez que ele estava acordado, sim, pois Boris era um dorminhoco, e o currupião cantava, ele entrava no meio, o que deixava o passarinho muito irritado.
O currupião pulava em cima dele e dava-lhe uma bicada. Mas não adiantava. O gato era persistente e continuava:
- Corrô, corrô, corropião, pião, ão, ãããããããããããããããããããããããã.
Depois mudava de tom:
- fifiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. - Como se assobiasse.
Essas mudanças no comportamento do gato era motivo de diversão na casa, Estela dizia:
- Bóris, daqui a pouco vai nascer um bico na sua boca. Você está ficando bicudo, rapaz. Pare com essas vontades de ser cantor. Vá brincar de caçar mosquito!
Dentro daquele apartamento era a única espécie que ele podia caçar. Às vezes, aparecia uma mariposa, um besouro, e ele se embrenhava em feroz luta como se estivesse brigando com um leão. Porém, era só o currupião começar a cantar que ele se lembrava que ser cantor era muito mais divertido. Para se consolar, pensava:
- Pelo menos não tenho que acordar cedo feito esse maluco. Durmo até a hora que quiser, enquanto ele tem que despertar antes do sol nascer!
Estava cogitando sobre isso quando teve uma idéia. No dia seguinte, ele se levantou no mesmo instante em que o currupião iniciou sua cantoria, posicionou-se ao lado dele e começou a cantar.
Seu Francisco, que madrugava, imaginou que seu passarinho havia atraído uma fêmea. Foi à sacada esfregando as mãos de frio e de alegria. E com pasmo lá encontrou Bóris e o currupião cantando posicionados em direção ao nascente.
sexta-feira, 25 de maio de 2007
Garimpeira
Hoje saí para garimpar. Encontrei tantos tesouros que terei que omitir alguns. Primeiro, encontrei um menino embolado numa rede amarela em cima de uma árvore. Eu o cumprimentei. Ele é meu amigo, mas nem sabemos o nome um do outro.
Eu gritei por ele, ao que ele se desenrolou da rede muito sorridente e foi logo me contando uma história. Disse que o meu cãozinho, o filhote da cachorra dele, o que eu havia escolhido, havia morrido. Notícia que me deixou muito triste. Explicou que eu fui infeliz em escolher o filhote mais magrinho e tímido, que vivia longe da ninhada. Eu lamentei, perguntei se ele havia chorado tal tragédia, mas ele me disse que não. Que pena! E imaginei um funeral para o cachorrinho. Mas ele já não estava mais ali.
Depois passei numa casa, onde havia inúmeras crianças e vi dois meninos iguais, guiando juntos um carrinho. Eles eram os seres mais lindos do mundo, morenos, olhos azuis, cabelos escuros e lisos. Logo conheci outro irmão deles. Era loiro dos olhos verdes, devia ter uns cinco anos. Por último conheci o quarto menino, o mais velho de todos e era bonito também.
Porém, os gêmeos eram os mais encantadores, magrinhos, com aqueles olhos azuis parecendo dois faroletes em contraste com o cabelo escuro.
Segui adiante. Desci o vale, passei pela cachoeira que não pode ser vista, mas ouvi a queda d'água, derramando-se tranqüila, harmoniosa, despreocupada de tudo em volta.
Lá embaixo do vale, encontrei o Gabriel, sobre quem fiz uma aposta com o meu sobrinho para adivinhar o nome. Eu gritei:
- Gabriel!
Ele respondeu:
- Oi!
Meu sobrinho ficou abismado porque acertei de primeira!
Gabriel tem três anos. É meigo e carinhoso como toda criança bem-amada. Prossegui, depois de uma afável troca de palavras e juras de amizade.
Parei numa construção feita de bambu e concreto, local que eu nunca vi gente e que sempre despertou a minha curiosidade. Ouvi um barulho e vi que hoje, os supostos donos estavam lá. Aproximei-me de um limoeiro que fica nos fundos e, como pretexto para conversa, eu pedi um limão.
O dono, que era um japonês muito simpático, concluí depois, autorizou-me a pegar quantos limões quisesse. Vendo sua simpatia, perguntei se podia entrar para ver a construção.
Lá encontrei um lindo tesouro: a Luíza, uma menina de quatro anos, alegre e comunicativa. Ela foi logo me contando tudo de seu fim de semana, chamando-me atenção para uma flor que, segundo ela, iria se abrir dali a um instante.
Ela tinha duas irmãs mais velhas: Clara e Alice. A primeira era tipicamente japonesa, a Alice era mais para branca, como a mãe. E Luíza, era bem mestiça, mas bem diferente dos pais, que eram corteses, porém pouco conversadores.
A Luíza, tenho certeza que, em tempos longínquos, fora minha filha.
E na volta, entre tantas coisas, "tinha uma pedra no meio do caminho", olhei para trás, mas não vi Drummond. E, notando que nenhum outro poeta se interessaria pela pedra, retirei-a do meio do caminho para que ninguém nela tropeçasse.
domingo, 20 de maio de 2007
Do que aconteceu com o Pintagol de Beatriz
Beatriz entrou e cumprimentou a amiga com um sorriso.
- Bia, o passarinho pegou o gato. - Disse Alice como se acabasse de ver uma pulga dando um salto.
- Como?!
- Não. Eu quis dizer o contrário.
- Oh, não! O meu pintagol?! - Alice confirmou com a cabeça. Beatriz deixou os livros caírem no chão.
- Eu vou matar esse gato!
- Bia, o animal não tem culpa de nada. É instinto.
- Alice, como consegue continuar assistindo a seu programa de tevê, quando o meu pintagol morreu! Isso é insuportável.
Beatriz, num ímpeto, desligou a televisão.
- Bia, pare de dar chilique. Um dia, ele ia morrer mesmo!
- Você não entende nada. Não sabe o quanto dói.
- Mas não precisa se vingar em mim.
- Está certa, Alice. Vou para o meu quarto.
Beatriz viu o frágil corpo estendido sobre sua cama, algumas gotas de sangue haviam tingido o lençol e desenhado uma rosa. Ela pegou o pintagol e o apertou com carinho contra o seu peito. Os olhos do animalzinho ainda estavam abertos. Ela os admirou, lembrando como eles piscavam e que não piscariam mais.
- E agora, eu te pergunto, meu pintagol, como vou despertar sem teu canto? Um gato enfiou as presas no teu peito delicado e num instante calou a tua voz. Para onde foi o teu canto? Ninguém sabe explicar. Deve existir um céu exclusivamente para ti. Para mim não sei se há.
Beatriz estava chorando muito. Mas, de repente, percebeu que estava deitada na sua cama, que o dia estava amanhecendo e que o pintagol estava cantando aos seus pés.
Levantou-se, enxugou as lágrimas do rosto, acariciou a cabeça do pintagol e lhe deu um beijinho.
- Desculpe, querido, dei muito trabalho para acordar?!
quinta-feira, 17 de maio de 2007
"Imagina, coração, eu, 20 anos na Papuda"
Eu vi o homem segurando um papelão, onde estava escrito esse apelo em letras garrafais. Ele estava no semáforo, exposto moralmente ao sol escaldante do meio-dia, como se continuasse a expiar a sua pena. As rugas banhavam seu rosto assim como as bagas de suor. Porém, os seus olhos denotavam que ele ainda tinha muitos degraus para subir até a velhice.
Observei que ele era muito esguio. Nada da barriguinha acentuada que em geral têm os homens livres. Não me recordo se ele tinha cabelos brancos. Provavelmente não os possuía.
Ele estendeu aquela "faixa" para mim e me olhou com certa reverência. Havia mais palavras escritas no papelão, mas não deu tempo de ler.
Procurei umas moedas. Não, umas moedas seria um desrespeito. Dei-lhe uma cédula. Era de pouco valor, mas era uma cédula.
Ele me agradeceu em nome de Deus e partiu. Como não deu tempo de perguntar-lhe o nome, nem como era Deus, apelidei-o de Esmeraldo.
Agora ele está no seu encalço, como um fantasma, querendo contar-me a sua vida desgraçada, falar de suas misérias, de suas alegrias, de suas farras. Eu digo para ele:
- Paciência, Esmeraldo! Não me assusta, cara, que vinte anos na cadeia não é mole não. Vai ter que alugar meus ouvidos um bocado. Acalma-te, que minhas orelhas já estão esquentando.
Viriço, o curandeiro
- Já sei. Ele era mágico. A senhora já me disse.
- Ele era curandeiro. Curava gente, curava bicho, curava árvore, curava até pedra, se duvidasse.
Um dia, meu pai foi procurar o Viriço para curar uma de suas melhores vacas. O Viriço lhe perguntou:
- Como é o nome de sua vaca, Joaquim?
Naquele tempo, todo animal era batizado. Meu pai lhe informou que a vaca era chamada de "Bonita".
- Onde ela está caída? - O Viriço perguntou. Meu pai apontou o rumo do mato onde a vaca estava prostrada.
- Vá para casa, Joaquim. Sua vaca já está se levantando.
Meu pai voltou lá e, para sua surpresa, encontrou a vaca boazinha, pastando tranqüila como se nunca tivesse sentido uma dor de cabeça. Por falar nisso, estou sentindo uma enxaqueca horrível.
- Então, mamãe, deixe-me rezar, pois nasci com os mesmos dons de Viriço.
Impus as mãos como uma beata sobre a testa da minha mãe e, com aquela seriedade dos palhaços, comecei a balangar os lábios, cuidando para que chiassem muito. Após alguns segundos, minha mãe, respirando fundo, exclamou:
- Que alívio, menina! Tu tens os dons do Viriço mesmo. Estou boazinha!
- Mamãe, a senhora não estava com dor de cabeça coisa nenhuma, pois eu não rezei nada, só fiquei batendo os beiços!
Minha mãe deu uma tapinha na bunda e disse:
- Ah, moleca, sem-vergonha! Engana até a própria mãe! Tomara que o Viriço hoje de noite venha puxar as tuas orelhas, viu?
- Ele pode vir. Tomara que aproveite para cochichar umas histórinhas aos meus ouvidos.
O Pintagol de Beatriz
Do cruzamento do canário com o pintassilgo nasce uma ave mais linda do que os seus pais: o pintagol. Seu canto é doce, persistente, alegre e vivaz. Quando ele canta parece que mil pássaros invisíveis a ele se juntam.
Beatriz possui um pintagol. Ele vive solto pela casa, saltitando ou se exibindo em pequenos vôos até se empoleirar no ombro dela.
Todos os dias de manhã, ele canta para acordá-la. Enquanto ela não desperta, ele não pára a cantoria.
Ela sai meio apressada, com a toalha cobrindo-lhe o corpo até o colo. O Pintagol canta um pouquinho em gratidão. Depois fica em silêncio aguardando ansioso o momento em que Beatriz se desvencilha da toalha.
Ele voa até o criado-mudo e fica calado contemplando em detalhes aquela criatura grande que ele tanto ama. (Parece que igual fenômeno acontece ao pintagol. Quando ele se apaixona por um ser humano, esquece os outros pássaros. Pelo menos foi isso o que aconteceu com o pintagol de Beatriz.)
Beatriz tem o corpo delicado e bem feito. Seus cabelos dourados caem-lhe até os seios e seu umbigo parece um pequenino botão de rosa. O pintagol observa-a deslizando a mão cheia de creme pelo corpo. Ele ergue e abaixa a sua pequena cabeça em concentrado movimento. E, quando Beatriz puxa os cabelos para trás e as duas taças de seus seios se revelam, o pintagol reinicia seu canto, como se acabasse de ver o sol.
quarta-feira, 16 de maio de 2007
O Carrão de Caio
Era Caio guiando seu carro em alta velocidade.
- Quer uma carona, Estefânia? - Disse ele puxando o freio bruscamente, parando próximo à sua irmã, que estava brincando de amarelinha.
- Aceito. Mas vê se dirige com cuidado.
Estefânia segurou na cintura de Caio. Ele meteu a primeira marcha e o carro arrancou de vez.
- Ai, que esse carro me acaba!
Reclamou Estefânia sentindo um solavanco.
- Segura o cinto, Estefânia. Deixa de ser mole! Eu sou o melhor motorista do mundo!
- Cuidado, Caio, você quer atropelar as galinhas?
-Ah, Fani, como você é medrosa! Isso me dá frouxos de risos.
Caio sorria emocionado, sentindo o gosto da rapidez de seu veículo.
-Devagar, Caio, senão eu vou acabar caindo.
-Vrum, vrum, vruuuuuuuuuuuuum. - Eles continuaram.
- Caioooooo!
Eles ouviram um grito.
- Caio, é a mamãe. Pare agora. - Ordenou Estefânia, valendo-se de seu lugar de primogênita.
- Péra, Fani. Sabe como é carro novo... o freio demora a pegar. Vrunvrum, vruuuuu, vruuuuu...
O carro foi perdendo o fôlego até que morreu.
A mãe de Caio se aproximou com as duas mãos na cintura, com ar arrebatado e muito nervosa.
- Caio, me dá aqui a tampa da panela, moleque. Me dá também a minha colher de pau. Deixou a minha a panela descoberta e ainda por cima levou a colher de mexer o feijão!
A mãe de Caio tomou a barra da direção e o câmbio da marcha do carro. O veículo se desmontou num instante. O menino ficou a pé.
Estefânia o consolou:
- Ah, esse carro não prestava mesmo! Vamos voar de avião. É melhor!
quarta-feira, 9 de maio de 2007
Dica: Como conseguir um atestado de doido!
De repente, acenderam a luz em frente ao seu quarto.
- Que ladrão audacioso! - Ela pensou num desmaio. - Só falta ele puxar a descarga.
Pois foi o que aconteceu. Beatriz se arrepiou, imediatamente seu sono se foi. O ladrão era um cara metido. Atrevera-se entrar no seu banheiro e agora estava escovando os dentes e fazendo bochecho. Era demais! O melhor era ficar quieta. Ainda bem que ele se engasgara, estava tossindo.
- Bem feito!
Mas aquela tosse, ela conhecia muito bem. Levantou-se de um salto e encontrou um homem no banheiro fazendo a barba.
- Tio, o que o senhor está fazendo?
- A barba. Não está vendo?!
- Para quê?
- Para ficar barbeado, é lógico!
O tio de Beatriz era matemático e detestava perguntas obvias.
- E pra onde o senhor vai com essa maleta?
- Para o trabalho. É evidente!
- Tio, são três e meia da manhã! Se o senhor chegar lá no seu trabalho a essa hora vão lhe dar um atestado...
- Três e meia da manhã?! Tem certeza? Mas eu ouvi os passarinhos cantando.
- Eu acho que o senhor sonhou.
Ele olhou pela persiana, apreciou a escuridão e, dando risada, concluiu:
- É! Eu acho que vou é aproveitar pra ver se pego logo esse atestado de doido!
terça-feira, 8 de maio de 2007
Passarinho Branquinho!
- Não mexa. Isso é urubu!
Conheço um cara muito corajoso. Ele segura cascavel pela presa e onça pelo pescoço. Ele já pegou até em filhote de urubu.
Dizendo ele que os bichinhos são lindos. Branquinhos e plumosos. E que o ninho cheira muito... muito mal!
Explicou-me que o urubu vomita diante do cheiro humano.
Para o urubuzinho ser humano cheiroso é ser humano morto!
Histórias Ouvidas no Terreiro do Tamanduá I
Essa fazenda tinha o nome de Tamanduá. Era um dos lugares mais isolados do mundo. Na época em que havia gente morando lá, quando se ouvia barulho de carro, uma vez no ano, no máximo, aquilo era um acontecimento. Também não havia estrada, nem caminho que pudesse ser construído. Nunca vi lugar ter mais pedras no caminho.
A vantagem é que a vida lá continua rural, pastoril. Não há luz elétrica, água encanada. O estreito caminho se ematou. A casa está abandonada! Só as cabras insistem em habitá-la. Tomam-lhe de conta os fantasmas.
À noite, ouvia-se muitas histórias no terreiro do Tamanduá. Sentávamos debaixo da árvore em nossas cadeiras feitas de couro de boi, acendíamos uma fogueira para espantar os muruim, que eram as piores assombrações. O urutau cantava:
- Flor, flor, flor!
- Mamãe, por que aquele passarinho canta assim? - Perguntava Maria, a menina mais nova,
que tinha seis anos.
- Ah! Aquele passarinho é a mãe da lua. Ela canta chamando o esposo dela. O nome dele é Flor.
- E ele não responde?
- Não. Ele partiu. Ele a abandonou. Sumiu no mundo e nunca mais ninguém o viu.
- Que pai ruim! Como pôde fazer isso?! Mesmo tendo uma filha tão bonita e tão famosa! Mesmo assim, abandonou a mãe. - Maria Lastimou.
- Aposto que arranjou outra! - Completou Tasso, em tom irônico, o filho mais velho.
- Mamãe, por que será que ela não pára de chamar por ele? - Continou a menina.
- Porque ela não sabe que ele não vai voltar.
- É a esperança! A tal esperança que a faz cantar. - Meteu-se a mais velha entre as meninas, que esquentava as mãos na fogueira.
- A esperança é boa, filha. Assim, ela tem motivos para cantar. - Ensinou a mãe.
- Para mim, ela chora. E esse marido dela fez escola porque agora tem um monte de homem largando a mulher e indo embora. - Completou a filha mais velha, pensando no seu pai que há muito tempo havia partido.
O urutau também quis participar e encerrou aquela discussão lamentando:
- Flor, Flor, Flor...
sexta-feira, 4 de maio de 2007
O homem queria ver o Fundo!
- Eu quero ver o fundo.
A moça olhou atravessado, pegou o telefone e ligou para a chefe:
- Doutora Elizabete, tem um homem aqui na recepção dizendo que quer ver o fundo!
A secretária estranhou quando ouviu a diretora autorizar o ingresso daquele cidadão.
O auditor cumprimentou a empresária e, com aquela precisão própria de seu ofício, ordenou:
- Abra o fundo. Eu quero ver tudo!
- Pois não. É aquela senhora ali a responsável pelo fundo.
Respondeu prontamente a diretora indicando uma velhinha, que só não caíra na aposentadoria compulsória porque não estava no serviço público.
Sorrindo com os seus dentes hígidos, todos os três, ela se levantou de um ímpeto e já ia arriando as calças. Tomando um susto, o auditor a interrompeu:
-Calma, senhora. Quero ver o fundo... o fundo de investimentos!
quinta-feira, 3 de maio de 2007
A Vingança
Eu estava numa dessas lojas de departamento, quando vi uma moça aproximar-se da vendedora e discretamente perguntar pelo objeto.
- O bundex?!
A vendedora exclamou elevando a voz, deixando a potencial compradora arrepiada.
- Sim. Tu sabes que tamanho serve pra mim? - Disse num tom baixinho.
- Eu não faço idéia!
Respondeu a vendedora sem muito entusiasmo. Certamente, não recebia por comissão.
- Vou chamar a responsável pelo setor.
De repente surgiu uma magricela arrebitada correndo de patinetes. Era a encarregada.
- Eliane, que tamanho serve para ela? - A vendedora perguntou.
- Qual é o tamanho do teu Rafaela? - Perguntou a encarregada para a vendedora.
- Do meu?! Mas, eu não uso. Quem usa é você!
Observei que elas tinham certo pudor em dizer o nome do objeto.
- Usa sim. - Afirmou Eliane encerrando o assunto.
- Moça, leve o 46 que é o tamanho que a Rafaela usa. Está de bom tamanho para você?
Sugeriu a encarregada apontando para o bumbum da outra.
Mas a moça ficou envergonhada e nada respondeu, pois ao seu redor se juntara um monte de mulheres interessadas no objeto.
Mas, voltando ao passado, no dia seguinte ao que descobri que existia tal objeto, surgiu a oportunidade da vingança.
Eu e minha vizinha fomos almoçar juntas num desses services-selfs típicos de Brasília e do restante do planeta.
Servi arroz, feijão, macarrão, frango, salada, batata frita, torresmo, etc. Servi suco e ainda peguei uma jaca para comer de sobremesa.
Meu prato estava aquela montanha. Parecia um prato de servente de pedreiro. Para completar, pedi mais um ovinho frito.
No prato da minha vizinha havia apenas uma alface perdida no meio de uns grãozinhos de arroz e um filete de frango.
Sentamos à mesa. Ela se benzeu, não sei se por causa do meu prato. Enquanto isso, eu lancei a mão ao garfo. De repente, ela me perguntou:
- Como consegue ser magra desse jeito?
- É genética! - Respondi.